sábado, 29 de outubro de 2016

PEC 241/2016 - A derrama moderna: economizar para pagar dívidas e juros!

PEC é uma sugestão formal (Proposta) de alteração (Emenda) à Constituição, a lei mais importante do País, devido ao seu conteúdo(2) e à sua forma rígida(3).
A PEC 241/2016, doravante chamada simplesmente de PEC, foi criada no Governo Michel Temer, aprovada na Câmara dos Deputados e já se encontra no Senado Federal, onde também terá que passar por duas votações(5). Seu número agora é PEC 55.
A síntese da PEC 241 diz que ela se destina a incluir na Constituição o Novo Regime Fiscal. Ela também irá revogar parcialmente uma importantíssima lei (em sentido geral) para a saúde pública brasileira, a Emenda Constitucional n. 86/2015(6).
Embora seu texto seja relativamente pequeno, contém apenas três artigos(7), a PEC apresenta elevada densidade jurídica, política, econômica e social, de tal arte que, enfrentar sua origem, motivos, conteúdo, finalidades, prós e contras, sem conhecimento concomitantemente suficiente em todas essas áreas, constitui uma ousadia ingrata, pela certeza de se estar produzindo um trabalho incompleto e, possivelmente, com várias falhas técnicas. Contudo, como é dado a todo cidadão, por direito natural, o dever e o poder de conduzir-se individual e coletivamente no plano político, constitui até um dever cívico a participação(8) nas discussões da PEC, em razão das sérias consequências que dela advirão à vida de todos os brasileiros a curto e médio prazos, quer seja ou não aprovada.
É importante realçar-se, desde logo, que a PEC nasceu da assunção ao poder de um novo velho grupo político (PMDB), hoje liderado pelo Presidente Temer. Explica-se. Fala-se em grupo político novo, porque suas propostas de trabalho, pelo menos na área econômica, aparentam ser bem diferentes das que até então tinham sido (ou não tinham sido) adotadas pelo grupo político (PT e aliados) que foi recente e legalmente retirado do poder. Fala-se, ainda, em grupo político velho, porque ele sempre esteve no poder após a redemocratização iniciada em 1985, com o seu líder à época, José Sarney (um mandato), como aliado do PSDB (dois mandatos) e, após, do PT (três mandatos e meio).
Abre-se aqui um parêntese para recordar que, embora pertencente ao Governo, quando ainda exercia a função de Presidente Nacional do PMDB e ocupava o cargo de Vice-Presidente da República, Temer chegou a demonstrar publicamente que nunca se sentira à vontade e que não tivera espaço político para trabalhar no Governo Dilma desde o primeiro mandato. Essa situação restou evidenciada em uma carta que ele enviou à Dilma, em 7.12.2015, na qual apontou episódios que demonstrariam a “desconfiança” que a então Chefe do Executivo teria em relação a ele e ao PMDB. Inclusive, em um dos trechos da carta, Temer disse que passara o primeiro mandato de Dilma como um “vice decorativo”, que perdera “todo protagonismo político” que tivera no passado e que só era chamado “para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”. Ainda, listou fatos envolvendo derrotas que sofrera com atos da Presidente. Depois dessa carta, o rompimento entre Temer e Dilma foi apenas uma questão de tempo. Fecha-se aqui o parêntese.
Cumpre assinalar que o PMDB e, aliás, partido algum, é capaz de governar o Brasil sozinho, face à grande quantidade de partidos registrados no TSE – Tribunal Superior Eleitoral, em um total de 35, nos quais estão distribuídos os 513 Deputados Federais e os 81 Senadores da República. O Governo do PMDB tem o apoio político de pelo menos 12 partidos, quais sejam, PSDB, DEM, PEN, PTB, PP, PSC, PV, PSB, PSD, PPS, PR e PRB. Assim, o Presidente Temer hoje conta com o apoio de pelo menos 365 Deputados Federais e 61 Senadores, número esse mais do que suficiente para fazer qualquer alteração na Constituição, que exige o quórum de três quintos de votos, ou seja, 308 Deputados Federais e 49 Senadores.
Vale observar que esse arranjo político, principalmente devido à participação do PSDB e do DEM, mostra que o Governo Temer está muito mais próximo à ideologia neoliberal/Estado mínimo(9), cujos sinais foram mais sentidos nos dois mandatos do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso (1994 a 2002), do que à ideologia conservadora(10)/Estado-social(11), cujos traços foram mais visíveis durante a gestão petista, com Lula e Dilma (2003-2016), sendo certo que ambos os grupos praticaram também, em alguma medida, o populismo(12), manifestado principalmente na criação/incremento de vários programas sociais (Bolsa Escola, Bolsa Família, Prouni, Pronatec, Minha Casa Minha Vida e etc,).
Cale frisar que, no Brasil, as citadas ideologias, assim como os termos “direita” e “esquerda”(13), embora comumente utilizados, não chegam a direcionar a redação de estatutos partidários, embora seus traços possam ser eventualmente identificados na execução de alguns programas de governo. Outro ponto a ser destacado, ainda de partida, é a credibilidade econômica e política de que o Presidente Temer desfruta para propor e conseguir implementar as apregoadas reformas fiscal, previdenciária e trabalhista, iniciadas com a propositura da PEC. Conta a seu favor, daquilo que se pode saber: o fato de não estar envolvido, até aqui, em nenhum dos escândalos de corrupção que estouraram recentemente no país; a assunção e divulgação públicas da precária situação fiscal em que o país se encontra; e a pronta propositura da PEC, ocorrida apenas um mês após ele ter assumido a Presidência da República, mesmo ainda em caráter provisório, e os sinais de melhora na economia que já se proliferam nos noticiários do Brasil e do mundo, conforme se pode perceber facilmente em pesquisas feitas na rede mundial de computadores(14). Por sua vez, conforme já visto, a confiança política do Governo já pôde ser sentida nas votações da PEC ocorridas na Câmara dos Deputados. Referida credibilidade, no entanto, não quer dizer ausência de oposição, devido à atuação certa dos partidos que se opuseram ao impedimento da ex-Presidente Dilma, quais sejam, PT, PCdoB, PDT e PSOL, que já tentaram inclusive barrar a tramitação da PEC, por meio da impetração de um mandado de segurança(15) no STF – Supremo Tribunal Federal(16).
O Procurador-Geral da República (17) emitiu nota pública defendendo a inconstitucionalidade da PEC, sob a alegação de que o teto nos gastos federais violaria direitos e garantias sociais (saúde e à educação) e ofenderia o princípio constitucional da Separação de Poderes(18). No entanto, no mesmo dia em que a referida nota foi divulgada, o STF decidira, no mencionado mandado de segurança(19) (autuado com o número 34.448/DF), em caráter inicial e provisório(20), em decisão da monocrática do Ministro Roberto Barroso, que a simples tramitação da PEC não ofende a Separação de Poderes, a garantia do voto direto, secreto, universal e periódico nem os direitos e garantias individuais.
Feitas essas considerações iniciais a respeito das origens e da tentativa judicial de se barrar a tramitação legislativa da PEC, passa-se a discorrer sobre o seu conteúdo.
O texto da PEC está disponível na página eletrônica da Câmara dos Deputados (www.camara.org.br), acessando-se após, o link “proposições”. Ela deu entrada na Casa do Povo(21), em 15.6.2016 e, conforme já visto, foi aprovada, e agora se encontra no Senado Federal (PEC 55).
Eis a sua ementa: “Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal”. A mídia a apelidou de “PEC do teto dos gastos públicos”.
Este autor prefere chamá-la, “A PEC da derrama moderna”, pelo motivo que será apresentado logo mais.
A PEC destina-se a alterar as regras transitórias da Constituição, pois o seu conteúdo possui duração previamente estabelecida (20 anos). Ela propõe que, a partir de 2017, as despesas primárias(22) da União fiquem limitadas ao que foi gasto no ano anterior (2016), corrigido pela inflação(23). Ou seja, em 2017, a despesa, em termos reais (descontada a inflação de 2016) ficará igual à realizada em 2016. Por sua vez, em 2018, o limite anual será o teto de 2017 acrescido da inflação. E assim por diante, enquanto a PEC estiver em vigor.
A PEC durará por até 20 anos, havendo a previsão de que, a partir do seu décimo ano de vigência, caberá ao Presidente da República propor alterações no método de correção do teto dos gastos públicos federais.
Vale esclarecer que foram previstas algumas exceções ao teto de gastos, quais sejam: 1) transferências obrigatórias da União para os Estados, Distrito Federal e Municípios, previstas na Constituição, relativas: 1.1) à exploração de recursos minerais; 1.2) ao que a União arrecadar do Imposto de Renda incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; 1.3) à organização e manutenção da polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, e ao fundo assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos; 1.4) às complementações do FUNDEB(24), previstas constitucionalmente; 2) créditos extraordinários(25) previstos constitucionalmente; 3) despesas com a realização de eleições pela Justiça Eleitoral; 4) outras transferências obrigatórias derivadas de lei que sejam apuradas em função de receita vinculadas; e 5) despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes.
Há outras hipóteses de gastos públicos que também poderiam ter sido excepcionadas pela PEC, não exatamente para o fim de excluí-las do teto, mas para que pudessem, por exemplo, ter por base o orçamento de anos anteriores. É o caso, por exemplo, do orçamento da Justiça do Trabalho, que sofreu um corte considerável em 2016, em relação ao ano de 2015, equivalente a 45% do orçamento solicitado, sendo 90% nos investimentos(26) e 30% nas verbas de custeio(27). Se absolutamente nada for feito para que a Justiça do Trabalho tenha um tratamento diferenciado pela PEC, será preciso, pelo menos, continuarem-se as medidas excepcionais de contenção de gastos que vários Tribunais Regionais do Trabalho já vêm adotando desde o meio do ano em curso, tais como, a redução no horário de expediente, a dispensa dos estagiários e a precarização dos serviços terceirizados de limpeza e asseio das instalações. Cumpre advertir, no entanto, que as esperanças para a Justiça do Trabalho não são boas, pois o próprio STF negou, em 29.6.2016, um pedido da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) para repor o indigitado corte orçamentário, sob o entendimento, exposto pela maioria dos Ministros, de que o Judiciário (ou seja, ele, STF) não pode interferir nas opções do Legislativo na destinação de recursos, especialmente num momento de crise. A prevalecer a redação originária da PEC,  a Justiça Trabalhista terá que repensar uma forma sustentável de continuar prestando os serviços públicos judiciários à população, reduzindo-se, por exemplo, o tamanho de sua estrutura física (desativação de Varas com poucos processos) e de pessoal (deixar de repor todas as vacâncias), o que somente poderá ser feito com a redução na quantidade de processos; isso pode ser obtido, por exemplo: i) mediante a extinção ou a drástica redução no número de litigantes contumazes (estão reiteradamente na Justiça do Trabalho, pedindo ou se defendendo), ii) o fim do caríssimo balcão judicial público de negociações privadas, as quais poderiam ser feitas em órgãos administrativos, a exemplo do que já ocorre nas relações de consumo, com os Procons; iii) na priorização do processo e julgamento de ações coletivas(28), o que poderia ser viabilizado, por exemplo, a partir de uma atuação mais enérgica e focada dos órgãos legitimados à propositura desse tipo de ação judicial, principalmente, o Ministério Público do Trabalho e os Sindicatos.
Retoma-se aqui o objeto da PEC para se dizer que, no caso de descumprimento do teto de gastos, ela propõe que sejam aplicadas as seguintes penalidade ao Poder ou órgão infrator: 1) proibição à concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de servidores públicos, inclusive o reajuste atinente à data-base, exceto os derivados de sentença judicial ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor da Emenda Constitucional derivada da PEC; 2) proibição à criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa; 3) proibição à alteração de estrutura de carreira (de servidores públicos) que implique aumento de despesa; 4) proibição à admissão ou à contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos; 5) proibição à realização de concurso público; 6) proibição de elevação da despesa nominal com subsídios e subvenções econômicas àquela realizada no exercício anterior; e 7) proibição à concessão ou à ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita.
É importante lê-se com cautela as referidas penalidades, a fim de que ninguém saia dizendo que a PEC objetiva diretamente proibir a concessão de aumento ou reajuste aos servidores públicos e a realização de concursos públicos. O arrocho provocado pela PEC nos recursos destinados aos órgãos públicos poderá, realmente, justificar a diminuição na realização de concursos públicos, mas isso é muito diferente de se dizer que a PEC objetiva proibir a realização de concursos públicos. Algumas categorias de servidores públicos, induzidas e até instigadas pelas suas respectivas agremiações sindicais (algumas com fortes ligações com a CUT – Central Única dos Trabalhadores, que é historicamente ligada ao PT ) têm disseminando a ideia generalizada de que haverá a precarização na prestação dos serviços públicos à população. Contudo, excluindo-se talvez a saúde, a educação (pelos motivos apresentados logo mais) e, especificamente, a Justiça do Trabalho (pelo motivo já exposto), as demais áreas do serviço público não deverão ser atingidas na mesma medida, pois seus orçamentos já são reajustados anualmente com base na inflação, salvo uma área ou outra.
Embora o programa Bolsa Família tenha sido poupado de um corte de 10 bilhões de reais pela ex-Presidente Dilma, em 2016, há que se admitir que ele sofrerá um substancial corte, após a aprovação da PEC, salvo o cometimento de um engano muito grande por parte deste autor.
A PEC propõe, ainda, alterações nos critérios de correções dos gastos mínimos da União com saúde e educação públicas, que hoje são, respectivamente, 13,2% da receita corrente líquida(29) e 18% da receita resultante de impostos. Não são previstos gastos máximos (teto). Com a PEC aprovada, o critério dos gastos mínimos estará mantido, mas o teto passará a ser, a partir de 2017, os valores que foram gastos em 2016, corrigidos pela inflação (IPCA). Em relação à saúde, especificamente, a PEC propõe a revogação do artigo 2º da Emenda Constitucional n. 86/2015, que estabelece que os gastos da União com saúde será cumprido progressivamente, garantidos, no mínimo, 13,2% em 2016, 13,7% em 2017, 14,1% em 2018, 14,5% em 2019, e 15% em 2020, sempre calculados sobre o valor da receita corrente líquida(30). Na prática, como está em vigor ainda o percentual de 13,2%, a PEC o congelará, durante todo o prazo de sua vigência, salvo a correção da inflação (IPCA), daí advindo as apropriadas críticas de que a PEC trará, efetivamente, prejuízos à prestação dos serviços públicos de saúde. A educação pública será igualmente prejudicada, pois, como o gasto obrigatório mínimo (18%) deixará de ser calculado sobre a receita decorrente dos impostos arrecadados (que é quase sempre progressiva), e passará a ser calculado sobre os valores fixos gastos anualmente, a partir 2016, somente corrigidos pela inflação, a educação amargará o mesmo congelamento imposto à saúde.
Acerca da revogação do art. 2º da EC n. 86/2015, proposta pela PEC, poderá surgir uma discussão jurídica interessante, versando sobre a possível violação ao princípio da proibição de retrocesso social (reversibilidade jurídica), segundo o qual, em tema de direitos fundamentais de caráter social, não podem ser desconstituídas as conquistas já alcançadas individual e coletivamente. Porém, como já adiantou o ilustre jurista português, José Joaquim Gomes Canotilho, a proibição de retrocesso social nada pode fazer contra as crises econômicas e os desequilíbrios fiscais agudos, os quais poderão impor a reversibilidade fática de quaisquer conquistas já alcançadas, caso aqueles não sejam sanados a tempo e modo.
Convém esclarecer que, foi amplamente divulgado pela mídia, que a finalidade da PEC seria criar um teto (limite) para os gastos do Governo Federal por até 20 anos para reequilibrar as contas públicas, o que deixa transparecer que o Governo está sendo bondoso e equilibrado aos olhos da opinião pública, pois estaria fazendo o sacrifício de autolimitação econômica. Entretanto, examinando-se mais detidamente os termos da PEC, constata-se que ela irá frear somente as despesas primárias, ou não nominais da União (gastos com a prestação dos serviços públicos), mas deixará absolutamente livre as despesas nominais (pagamento de dívidas e juros). Trocando isso tudo em miúdos, significa dizer que os aumentos verificados no PIB, pelo menos pelos próximos 10 anos, não se refletirão no crescimento real dos gastos usuais do Governo Federal, que ficarão congelados(31), mas servirão para pagar a trilionária dívida público e seus escorchantes juros. Dizendo de outro modo ainda mais claro, a finalidade verdadeira da PEC, não declarada nem assumida pelo Governo, e até mesmo ocultada pela grande mídia, é obrigar o povo brasileiro a economizar, inclusive em serviços públicos obrigatórios essenciais (como saúde, educação, justiça e segurança), para pagar dívidas e juros que foram feitos/assumidos de forma descontrolada ao longo dos anos (desde 1991) pelos dirigentes da Nação, com a complacência do mesmo Congresso Nacional que agora está votando a PEC.
Assim, todos os bilhões de reais que forem economizados às custas do já sacrificado povo brasileiro, deverão ser entregues aos credores da inexplicável dívida pública tupiniquim.
Os especialistas dizem que não constitui nenhum problema o fato de um país contrair dívidas que atinjam até mesmo 100% do valor do seu PIB, pois o óbice está no percentual dos juros contratados. Por exemplo, enquanto os Estados Unidos têm dívidas que ultrapassam 100% do PIB e pagam juros de 0,5% ao ano, o Brasil está quase entrando em estado de insolvência para pagar juros de 14,25% no mesmo prazo, devendo apenas 70% do seu PIB.
É verdade que o capital especulativo até ganha muito dinheiro com os empréstimos feitos ao Brasil. Mas também é verdade que chega uma hora em que o grau de risco para eles se eleva tanto, que os faz se retraírem, com o temor de não receberem nem mesmo os valores principais (sem os juros) emprestados. E é aí que os agiotas iniciam as pressões mais enigmáticas do mundo contra os dirigentes dos países em desenvolvimento, para que adotem as medidas amargas possíveis contra seus povos, como as ostentadas nessa PEC (derrama(32) moderna). Os dirigentes que não se adequam às derramas impostas pelos agentes econômicos (imperialismo moderno) podem simplesmente ser extraídos do poder. E tudo isso é feito de uma forma tão bem elaborada nos bastidores, que os governos são capazes de vender à população as seguintes ideias alarmantes: “o país está falido e, se nada for feito, uma catástrofe econômica e social poderá ocorrer”(33); “está apenas autolimitando seus gastos”, quando na verdade está sacrificando a população somente para pagar dívidas e juros.
Alguém poderia questionar se haveria outra saída, senão a aprovação da PEC. Em tese, há, mas nenhuma delas interessa aos imperadores do mundo moderno. E a nossa Nação, infelizmente, não tem a força necessária para enfrentá-los, ou mesmo para resistir às suas investidas, visto que eles têm o controle dos investimentos, da produção, do emprego e da inflação, fatores podem fazer ruir ou levantar a popularidade de qualquer governante.
É certo que não há informações exatas de como as coisas ocorrem nesse mundo globalizado, mas parece que a ordem dada pelos agentes econômicos deve ter sido bem clara ao Governo brasileiro: vire-se para manter a sustentabilidade de suas dívidas! Isso foi o site de notícias G1, ligado à Rede Globo de Televisão, afirmou: “A manutenção de um déficit primário, ou seja, quando o governo gasta mais do que arrecada, foi um dos motivos que levou o Brasil a perder o grau de investimento, uma espécie de “selo de bom pagador”, em 2015.
As agências de classificação de risco, empresas internacionais que fazem esse tipo de avaliação, disseram que a situação fiscal do país estava fora de controle. Elas classificaram o Brasil como uma economia “especulativa” e com maior risco para os investidores”(34). Tal mensagem é bem diferente daquela anunciada pelo Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que, ao defender que a PEC, disse que ela seria o caminho para o Brasil voltar aos eixos, in verbis: “Este é o caminho para a volta do crescimento de nossa economia e para a criação de empregos que o nosso povo precisa”.(35) Ao custo de quê é o que ele não explicou.
O Governo federal projeta que, uma vez aprovada a PEC, será evitado que o aumento dos gastos nas despesas primárias da União atinja o percentual de 80% do PIB, em 2018. A Tendência Consultoria(36), por sua vez, estima que, com a PEC, os gastos públicos, que estão em torno de 19,5% do PIB, voltem a ser de 15,9% do PIB, o mesmo patamar verificado em 2002. O Governo federal(37) também estima que, com a aprovação da PEC, o ritmo de crescimento da sua dívida seja menor, subindo de 76,6% do PIB em 2017 para 78,1% em 2018 e 78,7% em 2019, ritmo esse bem diferente daquele projetado sem a PEC, que subiria para 77,3% do PIB em 2017 e chegaria a 90,5% em 2019. Segundo informações extraídas do site de notícias Uol(38), “simulações da 4E, corroboradas por simulações da Fazenda e do Planejamento, indicam que voltaríamos a ter superávit primário apenas em 2022 ou 2023. A dívida pública continuaria em expansão até 2025 ou 2026, alcançando mais de 90% do PIB. Não podemos esperar tanto tempo para voltar a ter equilíbrio fiscal.” Em suma, as projeções de eficácia ou não da PEC são incertas, pois irão depender não só de outras reformas duríssimas de serem efetivadas (previdenciária e trabalhista), mas também do comportamento da macroeconomia (mundial) e até mesmo dos fatores climáticos e de pesquisas científicas, que normalmente influenciam muito no mercado das commodities(39), que, por sua vez, se reflete na arrecadação dos tributos. O humor dos investidores internacionais também poderá afetar a suposta eficácia da PEC.
Além de tudo o que já foi analisado, uma das primeiras coisas que se sobressaem na análise dos argumentos pró e contra a PEC, diz respeito aos questionamentos sobre a escolha de seus termos em si, diante das inúmeras outras medidas que talvez pudessem ter sido adotadas pelos técnicos governamentais para controlar os gastos públicos. Não são poucas as vozes que se levantaram para defender que a fixação de um teto para os gastos do Governo federal, por até 20 anos, não seria o único nem o melhor mecanismo para se combater os problemas supostamente existentes nas contas públicas brasileiras. Diversas outras medidas, algumas muito sedutoras, são sugeridas em substituição ao conteúdo da PEC, entre as quais, o combate à corrupção e à sonegação fiscal, a adoção de uma gestão mais eficiente nos gastos públicos, a redução no lucro dos bancos, o corte nas regalias de alguns setores públicos, a auditoria na dívida pública e o próprio calote dessa dívida. Enfim, mil e uma coisas são recomendadas em detrimento da PEC. Muitas dessas sugestões têm o condão, realmente, de ajudar a controlar e até a diminuir os gastos públicos, mas enfrentariam muitas residências na implementação, além de surtirem efeitos somente a médio e longo prazos, ao passo que, o que o Governo está pregando e propondo é a adoção de uma medida que dê resultados céleres, a curtíssimo prazo. Com efeito, o argumento que o Governo deu para justificar a criação da PEC, foi que o Brasil se encontra em um “quadro de agudo desequilíbrio fiscal”, ou seja, que o país está devendo muito mais do que arrecada e sequer está conseguindo pagar integralmente os juros das dívidas assumidas, o poderá levar, em curto prazo, ao colapso na prestação de serviços públicos essenciais como saúde, educação, segurança, justiça e etc. Segundo as palavras do Ministro da Fazenda, “Faz-se necessária mudança de rumos nas contas públicas, para que o País consiga, com a maior brevidade possível, restabelecer a confiança na sustentabilidade dos gastos e da dívida pública”. Ou seja, segundo a voz do Governo, a situação das contas do País requer a atuação das autoridades a curtíssimo prazo.
Alguém poderia questionar, talvez até com certa razão, que esse argumento da pressa não resolveria o problema da escolha da PEC em si. Nem isso resolve e, na verdade, talvez nada(40) resolverá nessa altura dos acontecimentos, pois, como essa foi a opção adotada pelo Governante da União, que, como dito, conta com o apoio de um número de parlamentares mais do que suficiente para alterar a Constituição, dificilmente a medida deixará ser aprovada, sobretudo em razão da urgência imprimida ao assunto e da manipulação midiática da opinião pública que já foi feita.
Nada obstante todas essas dificuldades, acredita-se que, em razão da relevância e da essencialidade dos serviços públicos de saúde e educação, os Senadores poderiam, pelos menos, deixar esses gastos essenciais continuarem sendo regidos pelas normas atuais, que já contêm freios legais bastantes em si.
Se é cediço que os investimentos em saúde pública são vitais para os seres humanos, e que os investimentos em educação pública são tidos como um dos motores para se diminuir as desigualdades sociais (um dos objetivos da existência do Brasil, segundo a Constituição), por que é que o Governo e os Parlamentares não iriam saber disso?
Para finalizar, não resta nenhuma dúvida que, objetivamente, a população mais pobre, por ser menos esclarecida, mais alienada, mais manipulada, e depender diretamente dos sistemas públicos de saúde e educação, será muito mais penalizada com a aprovação da PEC do que a classe mais abastada, que é mais esclarecida, menos alienada, menos manipulada, e não depende diretamente do SUS – Sistema Único de Saúde e do sistema de educação pública, apesar de também custeá-los.
O SUS e a educação pública brasileiros permanecerão com a mesma quantidade de recursos que dispõem hoje, pelo menos pelos próximos 10 anos, quiçá 20 anos, enquanto que o tamanho da população aumentará de 206 milhões, em 2016, para cerca 240 milhões em 2036, segundo as projeções feitas pelo IBGE.
A interpretação literal da PEC indica que inclusive o reajuste do salário mínimo deverá se submeter ao teto de gastos e ao congelamento, salvo a reposição da inflação, sem preservar a fórmula atual, que soma a inflação ao percentual de crescimento do PIB. O Governo, por certo, não abrirá mão de fazer esse tipo de interpretação.
É claro que a classe média também sofrerá as consequências da PEC, em razão da crescente deterioração na prestação dos serviços prestados pelos planos de saúde privados, já sentida antes mesmo da aprovação da PEC.
As críticas serão todas bem-vindas!(41)
(1) Escrito em homenagem os efetivos cidadãos e cidadãs brasileiros e, ainda, para que chegue às mãos dos Senadores antes de iniciarem a votação da PEC 241.
(2) Pois briga os direitos fundamentais das pessoas e as normas estruturantes do Estado brasileiro.
(3) Para a Constituição ser modificada, são necessárias duas votações em cada casa do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), e o voto, em cada uma das votações, de pelo menos 3/5 dos parlamentares. As demais normas brasileiras exigem apenas a maioria simples (metade mais um dos parlamentares presentes à sessão de votação) ou, no máximo, a maioria absoluta (metade mais um dos parlamentares existentes na respectiva casa de leis) e uma só votação em cada casa legislativa.
(4) Resultado da 1ª votação (11/10/2016): sim: 366; não:111; abstenções: 2. Resultado da 2ª votação (25/10/2016): sim: 359; não:116; abstenção: 2.
(5) Segundo os noticiários, estão previstas para ocorrer em 29/11/2016 e 13/12/2016.
(6) Ficou conhecida como emenda do orçamento impositivo, pois tornou obrigatória a execução das emendas individuais dos parlamentares ao Orçamento da União. Também trouxe regras sobre a aplicação mínima de recursos da União em saúde.
(7) O art. 2º da PEC 241 insere cinco artigos na parte provisória (ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) da Constituição.
(8) Se possível, de forma independente, objetiva e multidimensional.
(9) Doutrina, desenvolvida a partir da década de 1970, que defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo. (Wikipédia)
(10) Ao contrário da doutrina neoliberal, defende a intervenção do Estado na economia.
(11) Estado de bem-estar social, Estado-providência ou Estado social é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente da promoção social e organizador da economia. (Wikipédia)
(12) Prática política em que se arroga a defesa dos interesses das classes de menor poder econômico, a fim de conquistar a simpatia e a aprovação popular. (Wikipédia)
(13) As ideologias “esquerda” e “direita” foram criadas durante as assembleias francesas do século 18, época em que a burguesia procurava, com o apoio da população mais pobre, diminuir os poderes da nobreza e do clero. Com a Assembleia Nacional Constituinte instalada para criar a nova Constituição, as camadas mais ricas não gostaram da participação das mais pobres, e preferiram não se misturar, sentando separadas, do lado direito. Por isso, o lado esquerdo foi associado à luta pelos direitos dos trabalhadores, e o direito ao conservadorismo e à elite.
(14) Exemplos: http://economia.ig.com.br/2016-05-03/ft-economia-brasileira-da-sinais-de-melhora-mas-temer-deve-ser-o-beneficiado.html e http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/economia/20160910/wells-fargo-melhora-expectativa-para-economia-brasileira/412089.
(15) É de autoria de sete Deputados Federais do PCdoB e um do PT.
(16) Órgão máximo da Justiça brasileira e guardião derradeiro da Constituição.
(17) Chefe do Ministério Público da União.
(18) Está previsto no art. 2º da Constituição, que diz o seguinte: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
(19) Ação judicial prevista na Constituição que visa proteger direito líquido e certo objetivados pelo impetrante (autor), em face do poder público.
(20) Não há data do julgamento definitivo desse mandado de segurança. Mas, quando o pedido liminar é negado, em situações assim, dificilmente ocorre mudança ao final, quando há não a perda de objeto da ação até lá.
(21) Apelido da Câmara dos Deputados, decorrente de abrigar os representantes do povo (deputados federais), enquanto o Senados acolhe os representantes dos Estados-membros (senadores).
(22) São os gastos usuais do Governo (por exemplo, na prestação de serviços públicos). Não envolve gastos financeiros (empréstimos, amortização de juros e pagamentos de juros), denominadas despesas não primárias ou nominais.
(23) Será calculada com base no IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, medido mensalmente pelo IBGE. O IPCA foi criado com o objetivo de oferecer a variação dos preços no comércio para o público final, e é considerado o índice oficial de inflação do país.
(24) Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, existente no âmbito de cada Estado-membro e do Distrito Federal.
(25) Só podem ser admitidos para pagar despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, por meio de medidas provisórias (lei feita pelo Presidente da República, que depois será ser submetida à apreciação do Poder Legislativo).
(26) São aquelas necessárias ao planejamento e execução de obras, aquisição de instalações, equipamentos e material permanente, constituição ou aumento do capital do Estado que não sejam de caráter comercial ou financeiro, incluindo-se as aquisições de imóveis considerados necessários à execução de tais obras. (Wikipédia);
(27) Aquela necessária à manutenção da ação governamental e à prestação de serviço público, tais como: pagamento de pessoal e de serviços de terceiros, compra de material de consumo e gasto com reforma e conservação de bens móveis e imóveis. (Wikipédia)
(28) Têm o condão de pôr fim ao gravíssimo problema das ações ou demandas repetitivas, que se acumulam na Justiça do Trabalho e só retardam a entrega da prestação jurisdicional (direitos perseguidos pelas pessoas).
(29) Receita corrente líquida é o somatório das receitas tributárias da União, no caso, deduzidos os valores das transferências constitucionais que devem ser feitas aos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.
(30) Receita corrente líquida é o somatório das receitas tributárias da União, no caso, deduzidos os valores das transferências constitucionais que devem ser feitas aos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.
(31) Haverá a correção das perdas inflacionárias.
(32) No Brasil Colônia, a derrama era um dispositivo fiscal aplicado em Minas Gerais a fim de assegurar o teto de cem arrobas anuais na arrecadação do quinto. O quinto, por sua vez, era a retenção de 20% do ouro em pó ou folhetas que eram direcionadas diretamente a Coroa Portuguesa. (Wikipédia)
(33) É o que consta, em outras palavras mais suaves, nos motivos da PEC.
(34) http://especiais.g1.globo.com/economia/2016/pec241-umtetoparaosgastospblicos/publico. Acesso em 27/10/2016.
(35) Conforme pronunciamento em rede nacional, feito em 6/10/2016.
(36) Fonte: a mesma na nota de rodapé n. 26.
(37) Fonte: a mesma da nota de rodapé n. 26.
(38) http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2016/10/26/sem-reforma-da-previdencia-pec-241-cria-um-teto-de-vidro.htm. Acesso em 27.10.2016.
(39) Commodities (significa mercadoria em inglês) são as mercadorias, principalmente minérios e gêneros agrícolas, que são produzidos em larga escala e comercializados em nível mundial.
(40) A única coisa que talvez resolvesse, seria grande levante popular, mas isso está totalmente fora de cogitação no acomodado povo brasileiro
(41) Email: demontie_macedo@hotmail.com; Blog: demontiemacedo.blogspot.com; Facebook: Francisco Demontie Gonçalves Macedo.

35 anos da Constituição de 1988

Hoje faz 35 anos que o povo brasileiro, através de seus representantes eleitos, promulgou a Constituição de 1988, o símbolo maior do Direito...