sábado, 23 de setembro de 2023

O juiz pode estimular ou desestimular o litígio

Quais são as normas básicas do nosso sistema de reparação de danos, previstas no Código Civil, derivadas da culpa? São estas:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Assim, por exemplo, aquele motorista que está dirigindo de forma desatenta, ou em alta velocidade, desobedecendo as regras de trânsito e causa um acidente contra um outro motorista fica obrigado a reparar os danos sofridos pela vítima, consistentes no conserto do veículo e nos dias em que a vítima ficou sem poder trabalhar com carro.

Quais são, neste exemplo, os danos passíveis de reparação, segundo o Código Civil? São os danos emergentes e os lucros cessantes:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu (dano emergente), o que razoavelmente deixou de lucrar (lucro cessante).

O causador do acidente do exemplo deverá pagar não só pelo conserto do veículo da vítima (danos emergentes), mas também pelos dias em que ela ficou sem poder trabalhar com o carro (lucros cessantes).

Imagine essas duas situações.

Na primeira, aquele que causou o dano assumiu o seu erro e comprometeu-se a reparar todos os danos sofridos pela vítima, e efetivamente o fez. A questão foi resolvida amigavelmente.

Na segunda, que é a que mais acontece, aquele que causou o dano não assumiu o seu erro e recusou-se a reparar os danos. Neste caso, a vítima viu-se obrigada a lavrar um boletim de ocorrência, contratar um advogado e ingressar com um processo contra o causador do acidente e dos danos.

Ao final do processo judicial, se for declarado que o causador do acidente estava errado e que deve reparar os danos causados à vítima, já não bastará que ele pague apenas pelo conserto do veículo (dano emergente) e pelos dias em que a vítima ficou sem trabalhar (lucros cessantes), mas também precisará arcar com os custos que a vítima teve para contratar o advogado (dano emergente), para pagar as despesas do processo (dano emergente) e pelo dano moral decorrente do dissabor de ter que esperar até o final do processo (dano emergente), que muitas vezes pode demorar vários anos, para só então receber o que lhe era devido.

Assim, toda vez que a pessoa precisa acionar o Poder Judiciário para ser reparada de algum dano inicial, e obtém sucesso no processo judicial, precisa somar aos danos iniciais (danos emergentes e lucros cessantes) todos os outros danos, materiais e imateriais, que se fizeram necessários para garantir a reparação integral dos danos iniciais, sob pena de não ter o ressarcimento completo de todos os danos que sofrera.

E caso a vítima detenha provas suficientes de que o causador do acidente foi o culpado, precisa pedir ao juiz que lhe antecipe a sua vitória processual, deixando que o tempo do processo seja suportado pela parte contrária, pois não é justo que a vítima tenha que suportar os danos que lhe foram cometidos e ainda tenha que esperar pelo longo tempo que demora até o término do processo, para só então conseguir o que lhe é seu por direito.

Quando o juiz não antecipa a vitória processual da pessoa que tem razão e consegue provar isso logo no início do processo está aumentando a qualidade e a quantidade dos danos que lhe foram apresentados pela vítima, e emitindo o péssimo sinal para a sociedade de que não compensa fazer acordos amigáveis, e que o melhor mesmo é os transgressores das leis mandarem suas vítimas procurarem os seus “direitos”.

Na verdade, o sinal que o Poder Judiciário deve emitir é justamente o contrário: - cidadãos, resolvam suas questões de forma amigável, cada um reconhecendo o seu direit6o e o seu dever, pois, se eu tiver que intervir, buscarei conhecer a verdade dos fatos e aplicarei a lei de forma a reconhecer desde logo, sempre que possível, o direito a quem o tem, e impondo a quem não o tem todos os deveres que o desestimulem do litígio, inclusive a inversão da espera pelo tempo do processo, sempre que presentes os requisitos legais.

Em suma, o processo precisa atuar cada vez mais em favor de quem tem razão e pode provar isto desde o início, transferindo ao culpado todos os ônus decorrentes da movimentação da máquina judiciária.


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