quarta-feira, 28 de dezembro de 2016


A inconstitucionalidade da Súmula 423 do TST[1].

 

 

Francisco Demontiê Gonçalves Macedo.

Bacharel em Direito. Pós-graduado em Direitos Coletivos.

Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho.

Servidor Público Federal na Justiça do Trabalho em Mato Grosso do Sul.

 

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, instituiu entre nós um Estado (pessoa jurídica) Democrático (fundado na soberania popular) de Direito (regido por leis).

Entre as matérias propriamente constitucionais, estão os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, entendidos como prerrogativas jurídicas autoprotegidas sem as quais as pessoas não podem ser consideradas dignas, livres e iguais, ou, em outras palavras, não se realizam, não convivem e, às vezes, não sobrevivem, no dizer do eminente constitucionalista José Afonso da Silva.

Entre os direitos e garantias fundamentais, encontram-se os direitos sociais, que são as vantagens jurídicas coletivas fundamentais conquistadas pelos movimentos sociais ao longo da História. Entre os direitos sociais fundamentais, a Constituição conferiu especial destaque aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, que interessam aos objetivos do presente estudo.

É importante ressaltar que a Constituição não apenas materializou um patamar mínimo para a dignidade social dos trabalhadores, mediante o estabelecimento de um rol exemplificativo dos direitos sociais fundamentais, mas também e, principalmente, assegurou a sua expansividade e inderrogabilidade jurídicas, por meio do expresso princípio fundamental da melhoria da condição social dos trabalhadores (art. 7º, caput). Essa norma nuclear, fundante e diretiva para os direitos sociais fundamentais deita raízes na Constituição de 1934. Ela obriga o Estado a proteger (normativamente) e a defender (administrativa e judicialmente) quaisquer outros direitos que se destinem a melhorar a situação coletiva dos trabalhares, ao mesmo em tempo que o proíbe (princípio filosófico da não-contradição da razão) a agravar à condição social dos trabalhadores. Vale lembrar que a condição social dos trabalhadores é de vulnerabilidade (fragilidade) no mercado de trabalho, em relação aos poderes dos empregadores.

Com vistas a estabelecer um parâmetro jurídico base de tempo de trabalho diário e semanal para os trabalhadores, o legislador constituinte instituiu, à sua livre escolha, a duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e a 44 horas semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho (art. 7º, XIII).

Convém assinalar que essa autorização constitucional de negociação coletiva, no que tange a compensação (efetuada por meio da neutralização dos efeitos maléficos do labor além da jornada) de horários e à redução da jornada, por óbvio, por lógica e, sobretudo, em razão do princípio da supremacia da Constituição, além de não poder violar o rol mínimo de direitos sociais fundamentais constitucionais, ainda deve orientar-se sob a luz do princípio fundamental da melhoria da condição social dos trabalhadores. Tanto isso é verdade que a Constituição se limitou a autorizar, na jornada normal, a negociação coletiva acerca da redução e da compensação de horários (com folga ou com dinheiro), e não do aumento jornada. A ideia de que a Constituição permitiu a compensação (neutralização dos efeitos maléficos extraordinários) de horas trabalhadas por dinheiro é extraída da norma que prevê que a remuneração do serviço extraordinário (aquele realizado além da jornada pactuada e autorizada juridicamente) deve ser superior, no mínimo, em 50% à do normal (art. 7º, XVI).

Pois bem. Excepcionalmente à jornada normal de trabalho, a Constituição também estabeleceu a jornada especial de 6 horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva (art. 7º, XIV).

Trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento é aquele em que os trabalhadores se alternam nos postos de trabalho, por semana, quinzena ou mês, em diferentes horários, diurnos e noturnos, com as devidas folgas, também gozadas em diferentes dias e horários, em empreendimento que funcione ou não de forma ininterrupta. Está evidenciado, pois, que essa modalidade de trabalho agride mais a condição social do trabalhador do que a da jornada normal.

Há pelos menos dois fatos jurídicos relevantes na norma constitucional que trata da jornada especial de revezamento.

Primeiro. Diversamente do que constou, de forma expressa, na norma sobre a jornada normal, o legislador constituinte silenciou quanto à possibilidade de a negociação coletiva tratar sobre a compensação de horários na jornada especial de revezamento. Esse silêncio, dá margem a, pelos menos, três linhas de raciocínios interpretativos constitucionais: a da lacuna (o constituinte, por imprevisibilidade, não cuidou da matéria); a da omissão (o constituinte não cuidou da matéria, embora devesse de fazê-lo); a do silêncio eloquente (o constituinte, propositalmente, não cuidou da matéria).

Entre as três possíveis linhas interpretativas, parece que a da lacuna já pode ser descartada de imediato, pois, não se pode falar em imprevisibilidade nesse caso, eis que o legislador constituinte tratou expressamente sobre o mesmo assunto em norma justaposta. O mesmo raciocínio vale para se afastar a hipótese de que tenha havido omissão constitucional.

Salvo melhor juízo, mostra-se muito mais provável adotar-se a linha exegética de que o legislador constituinte não quis, intencionalmente, deixar que a compensação de horários fosse objeto da negociação coletiva na jornada especial de revezamento, senão, ele teria dado essa autorização de forma expressa, como o fez em relação à jornada normal. O silêncio eloquente é tido, doutrinariamente[1], como uma norma constitucional proibitiva, a qual é obtida, a contrario sensu, a partir da simples ausência de disposição constitucional permissiva. O instituto pressupõe inclusive o afastamento da analogia, que é aplicável apenas quando há lacuna (STF. RE 130.552/SP).

Assim, a questão relativa ao silêncio constitucional contida na norma do art. 7º, XIV (jornada especial de revezamento), está resolvida? Infelizmente, não. E por que se falou em lacuna, omissão e silêncio eloquente? Porque o guardião da Constituição costuma percorrer esse caminho interpretativo em situações semelhantes. E por que é que a solução do silêncio eloquente não resolve a questão? Porque, ao entender-se que o silêncio constitucional vedou absolutamente a possibilidade de a negociação coletiva dispor sobre a compensação de horários na jornada especial de revezamento corre-se o risco de se impedir a aplicação do princípio fundamental da melhoria da condição social dos trabalhadores nessa hipótese. Parece mais razoável pensar-se que haja situações práticas em que a compensação de horários possa se revelar mais vantajosa aos direitos e interesses dos trabalhadores do que a própria realização do trabalho na jornada de revezamento, do que simplesmente eliminar-se, de antemão, a possiblidade de que essas situações existam. Desde que respeitadas as normas referentes aos descansos mínimos (intervalos intrajornada e interjornada), às jornadas máximas (diárias, semanais, mensais ou anuais) nas diversas categorias profissionais, e o princípio da melhoria da condição social dos trabalhadores, a depender do tamanho dos descansos e das remunerações oferecidos, não haveria impedimento algum à negociação coletiva sobre a compensação de horários na jornada especial de revezamento.

Segundo. O outro fato jurídico relevante, que pode ser extraído do texto constitucional, e que também serve de sustentação à conclusão acima, é que o legislador constituinte reduziu a jornada especial de revezamento, em relação à jornada normal, como forma de compensar a maior agressão à condição social do trabalhador na primeira modalidade de jornada. Aliás, foi valendo-se do mesmo princípio e, com a finalidade de possibilitar a compensação das agressões, também anormais, à condição social dos trabalhadores, advindas do trabalho noturno e do serviço extraordinário (realizado além da jornada normal ou especial), que a Constituição estabeleceu que a remuneração do trabalho noturno deve ser superior à do diurno (art. 7º, IX), e que a remuneração do serviço extraordinário deve ser superior, no mínimo, em 50%, à serviço normal.

Com isso, a Constituição criou o limite máximo para a quantidade de horas trabalhadas nas jornadas normal e especial de revezamento, fixou o limite compensatório mínimo para a remuneração das horas trabalhadas em jornadas extraordinárias e, ainda, estabeleceu uma diretriz compensatória de que a remuneração do trabalho noturno deveria ser maior do que a do diurno, a demonstrar.

Ao afirmar, portanto, que a jornada especial do trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento será de 6 horas, salvo negociação coletiva, a Constituição está dizendo o seguinte, em uma interpretação principiológica, teleológica e sistemática: i) a negociação coletiva pode sempre diminuir o tamanho da jornada especial de revezamento, pois isso resulta na melhoria na condição social dos trabalhadores; ii) a negociação coletiva pode aumentar a jornada especial de revezamento, desde que o serviço realizado além dela seja compensado: ii1) com a remuneração direta do serviço extraordinário acrescida, no mínimo, de 50%, à da hora da jornada especial de 6 horas diárias e 33 horas semanais (guardadas as mesmas proporções da jornada normal); ou ii2) com a formação de um banco de horas, que permita o trabalhador gozar ou ter remunerado como serviço extraordinário as horas nele computadas, em espaço de tempo razoável, que pode ser de um, três, seis ou até doze meses, a critério do que for negociado.

Em razão da força e da hierarquia normativas Constituição, o Estado-legislador e os atores da negociação coletivas estão juridicamente obrigados a observar os direitos e garantias sociais fundamentais dos trabalhadores.

Pois bem. Fincadas essas balizas lógico-jurídicas, chegou a hora de conhecer a famigerada Súmula 423, do colendo Tribunal Superior do Trabalho. Ela é o resultado da conversão da OJ 169, da SBDI I, conforme a Res. TST 139/06, publicada no DJ de 10.10.2006. Segundo o histórico da cancelada OJ 169, sua redação original data de 26.03.1999, e tinha o seguinte teor: “Quando há na empresa o sistema de turno ininterrupto de revezamento, é válida a fixação de jornada superior a 6 horas mediante a negociação coletiva”.

Veja-se que a OJ 169 permitia que a negociação coletiva agravasse a condição social dos trabalhadores, sem determinar nem mesmo a adoção da qualquer medida compensatória, mesmo o texto constitucional já tendo sinalizado nesse sentido, ao estabelecer como medida de compensação a remuneração diferenciada dos serviços extraordinário e noturno.

Como a redação da OJ 169 não vedou, mas simplesmente silenciou quanto à compensação do serviço realizado extraordinariamente na jornada especial de revezamento, é possível que os prejuízos jurídicos, sociais e econômicos causados aos trabalhadores possam ter sido diminuídos com interpretações do Direito mais arrojadas. Ou não, pois, se tiverem sido usadas interpretações tacanhas.

Pois bem, a piora da condição social dos trabalhadores, expressamente vedada pela Constituição, veio com a edição da Súmula 423, cuja redação é a seguinte: “Estabelecida jornada superior a 6 horas e limitada a 8 horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não têm direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras”.

Ao adotar essa redação, o colendo TST, atuando como se legislador constituinte fosse, alterou a jornada especial de revezamento, para igualá-la, juridicamente, à jornada normal, muito embora, conforme visto, as duas modalidades de jornadas tragam diferentes níveis de agressão à condição social dos trabalhadores.

A inconstitucionalidade da Súmula 423 é, pois, manifesta.

Depois de todos os argumentos aqui apresentados, revela-se no mínimo curioso o teor dos precedentes relacionados logo abaixo da Súmula 423, na página eletrônica do TST. Pelas datas neles apresentadas, mais parece que deram origem à OJ 160. São eles, em ordem cronológica:

1) RR 165060/1995, Ac.2ªT 7211/1997, Red. Min. José Luciano de Castilho Pereira, DJ 26.09.1997, Decisão por maioria:

“Logo, somente o sindicato dos trabalhadores pode avaliar da conveniência de, via negociação, alterar a jornada constitucionalmente prevista.
Nesta matéria, não cabe ao Juiz do Trabalho decidir se foi, ou não, conveniente a alteração que o Sindicato fez em decorrência de expressa previsão constitucional.
Não deve a Justiça do Trabalho exercitar faculdade que somente ao Sindicato foi reservada, salvo expressa violação legal ou constitucional, que, neste caso, não ocorreu.

2) ERR 202763/1995, Min. Ermes Pedro Pedrassani, DJ 30.10.1998, decisão unânime:

A flexibilidade contida no texto constitucional autoriza que as partes disciplinem de modo diverso a jornada de 6 (seis) horas sem que tal procedimento implique contraposição aos princípios básicos tutelares do Direito do Trabalho, à medida que o elastecimento da jornada deverá ser equilibrado com determinados benefícios, a exemplo do regime de compensação, conforme expressamente mencionado no v. acórdão regional. Aliás, quanto a este aspecto, o fato de a empresa não ter cumprido o sistema de folgas ajustado não pode repercutir na discussão sobre a validade da prorrogação compensatória da jornada de trabalho. A reparação pela eventual prestação excedente dos limites compensatórios pactuados na negociação coletiva está regida pelas regras legais atinentes à matéria.
De todos os elementos que se extraem do v. acórdão de origem, a conclusão a que se chega é a de que o tema não pode ser examinado de modo isolado, apenas pelo prisma da prorrogação da jornada. É imperiosa a consideração de que a chancela sindical na celebração de um acordo coletivo pressupõe a negociação de condições em troca de outros benefícios, ou até mesmo da própria preservação do emprego, criando situação global favorável a ambas as partes. Esta deve ser, em princípio, a essência inerente aos pactos coletivos de trabalho e que está presente no caso em exame.

3) ERR 202706/1995, Min. Rider de Brito, DJ 11.12.1998, decisão unânime;

Diante, pois, dessas considerações, entendo que ao Judiciário compete, como uma das formas de flexibilização, admitir que, na negociação coletiva, as Partes possam dispor diferentemente da lei e da própria Constituição.

4) ERR 249913/1996, Min. José Luiz Vasconcellos, DJ 05.03.1999, decisão unânime:

Assim, desde que tenha havido anuência do Sindicato de classe para o elastecimento da jornada em turnos ininterruptos de revezamento, que ocorreu no caso vertente, não há falar em existência de horas extras após a sexta diária, máxime em observância ao inciso XXVI do art. 7º da CF/88, que alçou a nível constitucional o reconhecimento dos acordos coletivos e convenções coletivas.

5) ROAR 327539/1996, Min. Francisco Fausto Paula de Medeiros, DJ 24.09.1999, decisão unânime;

Verifica-se, inicialmente, que é a própria Constituição Federal de 1988 que excepciona do seu comando quanto ao limite da jornada de trabalho em turno ininterrupto de revezamento disposição diversa decorrente de negociação coletiva.
(...).
Ademais, cabe ainda ressaltar que a negociação coletiva provém de legítima representação das partes convenentes, as quais contratam livremente mediante concessões recíprocas. Isso significa dizer, na prática, que se perde aqui, mas se ganha ali, pelo que não há que se falar em previsão contratual lesiva ao empregado.
(...).
Acrescente-se a tal fundamento o de que, para desconstituir-se o acordo coletivo deve a parte utilizar-se da via própria prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, arts. 615 e seguintes. Enquanto não for adotado o procedimento legal, subsistirá o acordo até a declaração formal da sua nulidade.

6) ERR 319992/1996, Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJ 01.09.2000, decisão unânime:

Questiona-se, em face disso, poder-se-ia elastecer jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, por intermédio de acordo coletivo? Tal elastecimento configurar-se-ia uma prorrogação? Entendo que sim, uma vez que a Constituição Federal, ao estabelecer no artigo 7º, inciso XIV, jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, excepcionou, na parte final do dispositivo, que esta poderia ser elastecida por negociação coletiva.
E é este exatamente o caso dos autos. Há um acordo coletivo no qual ficou convencionado o cumprimento de jornada de oito horas diárias e de 44 horas semanais em turnos diversos de trabalho.
Não há, pois, como se deferir horas extras além da sexta diária, se o
elastecimento da jornada até a oitava estava previsto em acordo coletivo, de acordo com a diretriz traçada pelo preceito constitucional.
Não resta dúvida que a intenção do legislador, ao instituir a norma, é a de compensar o desgaste sofrido pelo trabalhador que labora no sistema de turnos ininterruptos de revezamento; no entanto, fez a ressalva alusiva à negociação, cuja legitimidade pertence ao sindicato que, certamente, melhor do que ninguém, tem conhecimento da realidade da categoria e, ao celebrar o acordo coletivo, certamente com trocas mútuas, visa a pactuar aquilo que melhor aprouver aos empregados daquela empresa, obviamente com concessões recíprocas.
Restou, portanto, violado o artigo 7º, inciso XIV, da Constituição Federal, razão pela qual, entendo configurada a violação do artigo 896 da CLT.

Esses entendimentos passaram ao largo do princípio constitucional fundamental da melhoria da condição social dos trabalhadores; olvidaram-se do papel do Poder Judiciário na interpretação e aplicação Direito, relegando-o aos atores da negociação coletiva; admitiram que o instrumento da negociação coletiva tem força de alterar a própria Constituição. Enfim, a proteção em peso dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores, prevista constitucionalmente, foi colocada sob o império da majestosa e toda poderosa negociação coletiva.

É lógico e evidente que é jurídica, social e economicamente preocupante saber que a que Súmula 423 é inconstitucional. Mas, mais do isso, estarrece o fato de saber que a linha de pensamento que conduziu à edição da Súmula 423 orientou também a criação de diversas outros entendimentos sumulados, ou não, que têm servido inclusive para impedirem a subida de recursos para o TST, de tal forma a retirar do STF a possiblidade de analisar todas essas questões de possíveis violações constitucionais.

São incalculáveis os prejuízos financeiros coletivos e individuais enfrentados pelos trabalhadores brasileiros com a existência da Súmula 423.

Resta, pois, acreditar que instituições interessadas e legitimadas, como o Ministério Público do Trabalho, por meio da Procuradoria-Geral da República, e a Ordem dos Advogados do Brasil, irão levar o assunto ao conhecimento do guardião da Constituição.







[1] Escrito em homenagem a todos trabalhadores brasileiros que laboram mais de 6 horas em jornada especial de turnos ininterruptos de revezamento, mas, inconstitucionalmente, estão sendo impedidos de receberem o pagamento dessas horas como serviço extraordinário.
[2] BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito constitucional. Tomo I. 3ª edição. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 219.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O DIA EM QUE RENAN COLOCOU O STF DE JOELHOS

Em 5.12.2016, o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, deferiu medida liminar, a pedido do partido Rede Solidariedade, para afastar o Senador Renan Calheiros da Presidência do Senado Federal, pois este virara réu em ação penal que tramita naquela Corte Suprema.

Abre-se aqui um parêntese para esclarecer que o problema jurídico, vislumbrado pelo Ministro Marco Aurélio, do Senador Renan continuar na Presidência do Senado, é que o ocupante desse cargo está na linha de substituição/sucessão dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, cujos ocupantes não podem ser réus em ações criminais.

A Constituição da República estabelece que, se o Presidente e o Vice-Presidente forem afastados dos seus respectivos cargos, serão substituídos (no caso de impedimento, causa temporária) ou sucedidos (no caso de vacância, causa definitiva), sucessivamente (nessa ordem, sem interrupção) pelo Presidente da Câmara dos Deputados, pelo Presidente do Senado Federal e pelo Presidente do STF (cargos da linha substitutiva/sucessória).

Vale observar que, aparentemente, a Constituição não tratou da situação específica em que as pessoas ocupantes dos cargos da linha substitutiva/sucessória sejam ou venham a se tornar réus: qual seria o órgão competente para decidir sobre o afastamento dessas pessoas rés, se o Poder Judiciário ou o Poder Legislativo? Se tais pessoas deveriam deixar ou não os cargos? Em caso de decidir-se pelo afastamento, em que momento este deveria ocorrer, se imediatamente ou só na iminência de ter-se que assumir os cargos de Presidente ou Vice-Presidente?

Enquanto o Congresso Nacional não legislar (manifestação política) a respeito, cabe ao STF, em sua constituição plena, dar as respostas jurídicas acerca dessa questão jurídica, pois é o órgão guardião da Constituição.

Fecha-se o parêntese.

Em 5.12.2016, a mando do Ministro Marco Aurélio, o Oficial de Justiça Avaliador Federal Wessel Teles de Oliveira, por volta das 21h30min, foi à casa oficial ocupada pelo Senador Renan, com a finalidade de notificá-lo da referida decisão.

O Senador estava em casa, mas não atendeu o Oficial de Justiça.

Em 6.12.2016, o Oficial de Justiça foi ao Senado Federal, e lá ficou, sendo enganado pela assessoria do Senador Renan, das 11h até as 15h, quando então recebeu um documento que informava os motivos da recusa do Senador Renan em receber o mandado judicial de notificação.

Cumpre ressaltar que não há previsão na legislação brasileira para a recusa, justificada ou não, ao cumprimento de uma ordem judicial escrita, respondendo o autor dessa conduta pelo crime de prevaricação, que não cabe prisão em flagrante delito, por não ser crime inafiançável.

Diante da situação, ou seja, ordem do Ministro Marco Aurélio e descumprimento expresso do Senador Renan, a Ministra Cármen Lúcia, Presidente do STF, apressou-se e colocou em votação, em 7.12.2016, a decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio, para ser referendada ou não pelo Tribunal Pleno (todos os Ministros do STF).

A maioria dos Ministros do STF acompanhou o voto divergente, do Ministro Celso de Mello, que referendou apenas em parte a decisão do Ministro Marco Aurélio, para o fim de: i) reconhecer que réus em ação penal não podem substituir ou suceder nos cargos de Presidente ou Vice-Presidente da República; ii) deixar de afastar o Senador Renan do cargo de Presidente do Senado, por ausência do requisito atinente ao perigo da demora, uma vez que, em caso de substituição ou sucessão dos cargos de Presidente e Vice-Presidente, ocupados cumulativamente por Michel Temer, atualmente, o Senador Renan ainda não seria chamado, e sim o ocupante do cargo de Presidente da Câmara, Deputado Federal Rodrigo Maia, primeiro da linha de sucessão.

Os fatos envolvendo essa questão jurídica ganharam uma fenomenal repercussão social, devido a Renan ser réu e investigado em outros 11 inquéritos pelo STF e ter sido o protagonista mor das manifestações ocorridas no País, em 4.12.2016. Entretanto, pode-se dizer que, do ponto de vista estritamente jurídico, não há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade na solução adotada pelo STF.

Mas, é claro e evidente que, política, social e moralmente, 7 de dezembro de 2016 ficará marcado como o dia em que Renan colocou o STF de joelhos.

35 anos da Constituição de 1988

Hoje faz 35 anos que o povo brasileiro, através de seus representantes eleitos, promulgou a Constituição de 1988, o símbolo maior do Direito...