domingo, 11 de julho de 2010

Novelas da vida real

A imprensa no Brasil, especialmente representada pelas emissoras de televisão, vem assumindo cada vez a missão, não declarada e jamais assumida, de conduzir e condicionar os indivíduos menos avisados à autodestruição.
É sabido que não existe direito fundamental de caráter absoluto. Mas para ela há: o direito à liberdade de imprensa. Assim ela pode, sob a proteção desse pseudo-direito, destruir a tudo e todos sem ser incomodada judicialmente.
Há algum tempo ela vem, com muito sucesso, condicionando o povão a assistir as novelas de estilo literário, onde a intenção maior é uma só: causar a destruição da Família, reconhecida pelas cabeças ainda pensantes, a célula mater da sociedade.
Ultimamente, no entanto, ela está condicionando o povão a interessar-se também pelas novelas da vida real, onde reina um tema só: a violência. Quanto mais o caso for requintado de crueldade, melhor. E, se envolver alguma personalidade, pronto, a festa estará completa. Assim o povão, que há muito tempo vem sendo condicionado a deixar de pensar, irá interessar-se muito mais pela novela.
É fácil recordar de algumas dessas novelas da vida real: Bandido da Luz Vermelha, Maníaco do Parque, Chacina da Candelária, Massacre do Carandiru, Daniela Perez, PC Farias, Susana Richthofen, Sequestro do Ônibus 174, Celso Daniel, Eloá Cristina, Isabella Nardoni e tantas outras.
Hoje em dia ela está apresentando a novela do Goleiro Bruno do Flamengo. Tem violência e gente famosa no meio. Então, é sucesso na certa. Sabe o que eu e você temos a ver com esse caso? Nada, absolutamente, nada. Ele deveria ser uma preocupação somente para as famílias envolvidas e para autoridades públicas competentes.
É interessante observar que ela não se contenta apenas em veicular os acontecimentos. Tem que intervir diretamente da solução do caso, ora fazendo o papel de investigadora, de acusadora, de advogada e, porque não dizer, de juízes. Ah, esse é o papel preferido, principalmente, de alguns apresentadores que julgam os donos da verdade. Se a novela não terminar do jeito que ela quer, com os mocinhos no céu e os bandidos na cadeia por uma infinidade de anos, as autoridades públicas é que saem condenadas. A leis dela são as leis do cão. O mais importante para ela é condicionar o povo a achar que ela está certa. Ela camufla e esconde os seus erros para não demonstrar nenhum tipo de fraqueza.
Os repórteres mais parecem um bando de urubus, na cobertura de uma novela dessas. A diversão principal deles é atrapalhar o trabalho da Polícia e da Justiça.
Uma novela da vida real dessas chega a tomar boa parte da programação diária das emissoras. O dinheiro que ela gasta na cobertura dessas novelas dava para aparelhar, remunerar e preparar muito melhor os órgãos policiais. Mas isso não interessa para ela, porque seu objetivo é destruir, e não melhorar a sociedade.
Perguntem para eles sobre o porquê de tanta exploração, e eles irão tentar convencer-lhe de que estão fazendo a coisa mais certa do mundo.

[Escrito em homenagem aos homens e mulheres que ainda mantêm a capacidade de enxergar uma cultura diferente da que vem sendo imposta por “eles”.]

Ninguém se engane com o Ficha Limpa

Ficha Limpa é o nome de uma campanha que foi lançada em abril de 2008 pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), uma rede informal composta de importantes organizações da sociedade, tais como, a Associação Brasileira de ONGs (Abong), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), dentre outras.
Segundo os seus próprios idealizadores, o Ficha Limpa foi lançado com o objetivo de melhorar o perfil dos candidatos a cargos eletivos no Brasil, tornando mais rígidos os critérios de inelegibilidades, ou seja, de quem não pode se candidatar. Mas ninguém se engane com o Ficha Limpa, principalmente pelo nome, pensando que ele visa eliminar do cenário brasileiro os pretensos candidatos com ficha suja. Também não custa alertar que até mesmo a principal meta do Ficha Limpa – que é criar mecanismos para impedir as candidaturas de pessoas condenadas pela Justiça de modo ainda não definitivo (atualmente, pela lei, os candidatos só ficam inelegíveis depois de uma decisão condenatória transitada em julgado, também chamada de última instância, aquela da qual já não cabe mais recurso) – encontra-se seriamente ameaçada de não ser atingida.
Em 26 de junho de 2008, o MCCE, por meio da AMB, ajuizou uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 144-DF) no Supremo Tribunal Federal (STF), visando reconhecer, com base em regra da Constituição Federal (CF), a invalidade da exigência (contida na Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990 – LC 64/90, que trata das inelegibilidades) de decisão em última instância para se poder impedir as candidaturas de pessoas condenadas pela Justiça. O STF julgou a ação improcedente com fundamento no princípio da presunção de inocência existente na CF, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado [decisão em última instância] de sentença penal condenatória”. O STF adiantou, inclusive, em sua decisão, que tal princípio pode estender seus efeitos ao processo eleitoral. Com isso, o STF já respondeu àqueles que pensavam que o mencionado princípio estava ao adstrito ao processo penal. O STF também afirmou que estava consciente de que a sua decisão divergia do pensamento majoritário da opinião pública a respeito do assunto, mas que estava obedecendo à CF.
Vale pontuar que a CF é a lei máxima brasileira, devendo, pois, ser respeitada por todas as demais leis, e que o princípio da presunção de inocência, que fundamentou a decisão do STF, não pode ser abolido da CF, porque se trata de uma cláusula pétrea.
Mesmo sabendo disso, o MCCE elaborou e apresentou à Câmara dos Deputados, no dia 29 de setembro de 2009, um Projeto de Lei de iniciativa popular, resultante da coleta de 1 milhão e 300 mil assinaturas de eleitores, com a finalidade de excluir da LC 64/90 os dispositivos que exigem decisão transitada em julgado para se poder impedir as candidaturas de pessoas condenadas pela Justiça. Pela redação desse Projeto de Lei, por exemplo, passariam a ser consideradas inelegíveis todas as pessoas condenadas em primeira instância, e, ainda, as que tivessem contra si denúncia apenas por órgão judicial colegiado pela prática de crime considerados graves. Esse Projeto de Lei de iniciativa popular, que, como se pode notar, ia de encontro ao pensamento do STF, não se sabe por que cargas d’água, nem chegou a ser votado na Câmara dos Deputados.
O Projeto de Lei que, sob os olhares da mídia e da passiva população brasileira, foi votado e aprovado na Câmara dos Deputados, no último dia 15 de maio de 2010, foi o apresentado pelo deputado federal José Eduardo Cardozo (PT-SP). Pela redação desse Projeto de Lei, que também foi aprovado pelo Senado Federal, no dia 19 de maio de 2010, em menos de 3 dias de discussão, ficaram mantidas as exigências de decisão transitada em julgado contidas na LC 64/90. A situação mais curiosa desse Projeto de Lei é que as mencionadas exigências passaram a dividir espaços, alternativamente, com as exigências de decisão proferida por órgão judicial colegiado, ou seja, sem a necessidade de trânsito em julgado (decisão em última instância). Foi excluída desse Projeto de Lei a hipótese de inelegibilidade que existia no Projeto de Lei de iniciativa popular, pela qual se exigia apenas que a pessoa tivesse contra si denúncia recebida por órgão judicial colegiado pela prática de crimes considerados graves, para se vê impedida de participar do pleito eleitoral.
Convém enaltecer que foge à lógica do razoável uma lei conter regras contraditórias, daquelas em que uma proíbe enquanto a outra parece permitir determinada situação. Assim ficou a redação do Projeto de Lei que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e ratificado pelo Senado Federal, ao impedir, por exemplo, a candidatura de uma pessoa condenada pela Justiça em decisão transitada em julgado e, ao mesmo tempo, de uma pessoa condenada pela Justiça em decisão ainda não transitada em julgado.
É uma coisa totalmente absurda, mas foi aprovada pelo Congresso Nacional e, provavelmente, será sancionada do jeito que está pelo Presidente da República, afinal, é ano eleitoral e de final de mandato, e nenhum político vai querer divergir da majoritária opinião pública.
Infelizmente, um absurdo desse é mais um prato cheio para os políticos com a ficha suja, pois assim eles terão mais um motivo para contestar, no STF, a validade das alterações que foram feitas na LC 64/90. E é lógico que eles não irão esquecer-se de lembrar ao STF sobre o teor da decisão proferida na ADPF n. 144-DF, de acordo com a qual, não se pode impedir as candidaturas de pessoas condenadas pela Justiça sem decisão transitada em julgado.
Cabe aqui abrir e fechar um parênteses para dizer que, de acordo com o artigo 16 da CF, mesmo que haja a sanção da Lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional, as alterações que serão introduzidas na LC 64/90, sem falar das atrapalhadas acima, não valem para as eleições deste ano.
Em suma, ninguém se engane com o Ficha Lima, achando que ele vai poder mudar alguma coisa, porque está tudo indicando que não vai.
[Escrito em homenagem ao Ministro Celso de Melo]

35 anos da Constituição de 1988

Hoje faz 35 anos que o povo brasileiro, através de seus representantes eleitos, promulgou a Constituição de 1988, o símbolo maior do Direito...