A Lei Orgânica da Magistratura Nacional, de 1979, feita pelo Congresso Nacional, estabelece que os juízes brasileiros gozarão de férias anuais de 60 dias. Os
membros dos Ministérios Públicos também gozam da mesma regalia.
Como todo mundo já sabe muito bem, para os trabalhadores
comuns, a Consolidação das Leis do Trabalho diz que após cada período de 12 meses
de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias de no máximo
30 dias corridos, que poderão ser reduzidos até o mínimo de 12 dias corridos, conforme
o número de faltas ao serviço. Para os servidores públicos em geral também vale
essa regra de apenas 30 dias de férias anuais.
É bom deixar claro desde logo que o Brasil adotou,
através da Constituição em vigor, a lei mais importante do País, a República
como forma de governo, o que significa dizer que o Estado, tido como a própria
sociedade organizada, se constitui de modo a atender o interesse geral dos
cidadãos, sem nenhum tipo de preferência ou preconceito.
Assim já é possível notar, claramente, que a existência de 60
dias de férias para uma dada classe de cidadãos trabalhadores brasileiros constitui
um privilégio manifestamente injustificável, inaceitável e incompatível com uma
sociedade republicana e democrática, onde todos são chamados a contribuir de forma
proporcionalmente igual para a sua existência, manutenção e desenvolvimento
social e econômico.
Para deixar ainda mais evidenciada a injustiça e
imoralidade causadas pela existência dessa mordomia que os legisladores conferiram, em dado momento histórico, aos magistrados
brasileiros, convém expor de modo um pouco mais detalhado e fundamentado as
discrepâncias que ela gera concretamente.
Primeiro, o Código de Processo Civil nacional dispõe
que, além dos declarados em lei, são feriados, para efeito forense, os sábados,
os domingos e os dias em que não haja expediente forense.
Como cada ano possui cerca de 52,2 sábados, e 52,2
domingos, e ao menos 12 feriados nacionais, os magistrados acabam trabalhando,
se não forem agraciados com alguma licença, apenas cerca de 188,6 dias, dos 365
existentes no ano, o que resulta em cerca de 176,4 dias de ganhos sem precisar trabalhar
um minuto sequer por ano, sendo certo que muitos outros trabalhadores estão tendo que trabalhar duro para pagar essa mordomia.
Segundo, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, o Poder Judiciário brasileiro leva em média três anos para concluir um processo judicial, o que transmite a sensação para a população em geral de que esse Poder é lento, caro e soberbo, como mostra qualquer pesquisa rápida, feita em sites de buscas na Internet.
Quando se junta essa informação referente à lentidão
crônica do Poder Judiciário às famigeradas férias de 60 dias anuais, percebe-se
que elas contribuem diretamente para o agravamento do atraso na entrega da
prestação jurisdicional tão almejada pela população.
Com efeito, no exato instante em que povo brasileiro
se der conta desse privilégio legal absurdo, através de seus representantes
eleitos, e fizer a adequação das férias dos magistrados às férias de todo
trabalhador e cidadão comum, ou seja, 30 dias anuais, ocorrerá o aumento imediato
do número de magistrados em 1/12 avos, o que contribuirá não só para reduzir os
prazos de duração nos processos judiciais, mas também para diminuir os custos suportados
pela população para pagar por esse 30 diasde férias sobressalentes, mais o terço
constitucional que é pago toda as vezes em que o magistrado ingressa em férias.
Terceiro, e por falar em custos suportados pela já sacrificada
população brasileira, fazendo-se uma conta por baixo, pela multiplicação dos cerca
de 18 mil juízes da ativa, pelo salário médio de R$ 37 mil mensais, obtém-se o
valor de cerca de R$ 666 milhões que são tirados por mês dos cofres públicos. Some-se
a isso o valor do terço constitucional e obtém-se o valor astronômico de cerca de
R$ 887.778.000 (oitocentos e oitenta e seta milhões, setecentos e setenta e
oito mil reais) que são pagos mensalmente para se deixar os juízes brasileiros em
casa durante esses 30 dias a mais por ano.
Alguém poderia alegar, em favor dos membros da magistratura, que o trabalho denvolvido por eles é cansativo, e que eles
realmente precisam desses 30 dias a mais de férias anuais para recuperar as energias despendidas
com o trabalho.
Mas será que no Brasil não há trabalhos mais árduos, extenuantes e cansativos do que o desenvolvido pelos juízes brasileiros? Basta olhar um pouco à volta e ver.
Além disso, não custa lembrar que, até não muito tempo atrás, os juízes e desembargadores eram responsáveis diretamente pela coordenação das atividades nos cartórios das unidades judicantes e também por conduzir o processo como um todo, desde o recebimento da petição inicial até o julgamento do último recurso cabível, o que não mais ocorre hoje em dia.
O cartório foi entregue aos cuidados de um servidor,
nomeado de escrivão ou chefe de secretaria, pago com uma remuneração diferenciada, em
razão da atividade de chefia, e cada juiz iniciante passou a contar com o apoio direto de
pelo menos um servidor assessor, devidamente qualificado e remunerado, responsável
por redigir as minutas de despachos, sentenças e acórdãos, ficando os
magistrados no máximo com as funções de conferência e/ou assinatura, além das demais atribuições. No âmbito
dos Tribunais Superiores, não é incomum o número de assessores para cada
magistrado a atingir a marca de 30. Além disso, servidores já estão realizando audiências judiciais, outro ato processual que até pouco tempo era privativo da magistratura.
Isso quer dizer, em outras palavras mais simples e diretas, que os magistrados já
não possuem a exclusividade das atribuições judicantes que detinham e, via de consequência, não mais
fazem jus ao privilégio dos 60 dias de férias remuneradas que lhes foi concedido pelo Poder Legislativo na distante década de 1970.
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