quinta-feira, 5 de outubro de 2023

35 anos da Constituição de 1988


Hoje faz 35 anos que o povo brasileiro, através de seus representantes eleitos, promulgou a Constituição de 1988, o símbolo maior do Direito, da Democracia, da República e da Política, institutos basicos cujos princípios que todo cidadão deveria conhecer

Em 523 anos de existência e 134 anos da proclamação da República, esse é o maior período de Democracia que o Brasil já teve.

Há muito o que se comemorar desde o fim do regime antidemocrático que iniciou em 1964 e terminou em 1985, pois, além de o povo ter recuperado a soberania política e começado a ser responsável pelas suas próprias escolhas, pode-se dizer que houve um certo fortalecimento do regime democrático, haja vista que a sociedade brasileira já conseguiu superar dois impedimentos presidenciais sem precisar interromper o curso da Democracia.

A Democracia foi inventada pelos gregos, mais precisamente os atenienses, por volta do ano 510 a. C., e representou o momento histórico em que o povo, pela primeira vez, assumiu o comando do poder político que até então estava concentrado nas mãos de tiranos.

A Democracia sempre teve, tem e sempre terá seus inimigos, pessoas ricas e poderosas que acham que têm o direito natural de comandar e explorar as demais pessoas e que estas têm apenas o dever de obedecê-las. Esse conflito natural que existe entre as classes dominantes e dominadas é um mal que atinge todas as sociedades, cabendo à Democracia o papel de mediá-lo e resolvê-lo por meio das leis, que, para serem consideradas minimamente justas, devem ser elaboradas com a participação e a permissão de todos os interessados.

A Democracia ateniense era feita de forma direta; o povo se reunia em assembleias para decidir sobre todas as questões coletivas que lhes diziam respeito: política, economia, guerra, religião, seja por eleição, seja por sorteio. Nem todos tinham o direito ao voto, mas os que tinham dispunham exatamente dos mesmos direitos e deveres. A igualdade formal e, principalmente, a material, são conceitos imprescindíveis à Democracia, e objetivos a serem incessantemente perseguidos.

Infelizmente a Democracia que é realizada no Brasil e na maior parte do mundo éa indireta, que ocorre mediante a eleição periódica de representantes que vão exercer o poder político e tomar as decisões em nome do povo, o verdadeiro titular da soberania, que se renova e se reafirma a cada eleição. É certo que os mandatários não têm a prática de conhecer as vontades dos representados antes de fazerem as leis, nem estes têm o costume e os meios para fazer com que sejam consultados. Além disso, os raros instrumentos que viabilizam a prática da democracia direta são pouco usados, como a inciativa popular, o referendo popular e plebiscito. Assim, a vontade política que acaba sendo impressa nas leis e, depois, nas decisões judiciais, acaba sendo a vontade dos próprios detentores dos mandatos eletivos, e não a vontade popular propriamente dita.

O reflexo mais comum e direto do distanciamento do povo das decisões políticas fundamentais de sua própria comunidade é a negação da Democracia e, via de consequência, o aprofundamento das desigualdades sociais. É evidente que se o povo pudesse fazer as próprias leis, jamais iria aprovar um salário-mínimo de miséria para a classe trabalhadora, no valor de apenas R$ 1.320,00, e um salário-máximo de opulência para os seus próprios exploradores, no valor de R$ 41.650,92, pois essa gritante disparidade salarial revela uma indisfarçável preferência de uns para com outros, ferindo de morte o preceito mais importante da Democracia, que é a igualdade.

A Internet e os demais instrumentos tecnológicos são meios extremamente viáveis para se avançar em direção ao aprimoramento da democracia direta, mas ainda falta vontade política para empregá-los e o povo também não revela o menor interesse sobre questão, preferindo mil vezes empregar todo o seu precioso tempo vago na cervejinha, no futebolzinho, na novelinha, no besteirolzinho e nas demais distrações que o aliena e afasta do centro das decisões políticas. É por isso que a Democracia não avança: o maior interessado não quer e nada daz por onde!

A lei é o símbolo maior da Democracia, e a Constituição é a lei mais importantes de todas, em qualquer sociedade, pois nela estão os assuntos de maior relevância para qualquer pessoa, individual ou coletiva, pública ou privada, nacional ou estrangeira, como a vida, a saúde, a liberdade, a igualdade, a propriedade, a justiça e etc.

Cada Constituição tem o condão de dar origem a um novo tipo de Estado em uma sociedade. No Brasil, já houve as Constituições de 1824 (Império), 1891 (Primeria República), 1934 (Segunda República), 1937 (Ditadura Vargas), 1946 (Terceira República) e 1967 (Ditadura Militar). Em cada uma delas a sociedade se organinizou ou se deixou organizar por modo específico.

A Constituição Democrática de 1988 instaurou a Quarta República e caracterizou-se por implantar ou tentar implantar em nossa sociedade um Estado Capitalista de Bem-Estar Social, cujo objetivo fundamental, ao fim e ao cabo, é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Mas infelizmente o povo não toma posse desse direito e talvez nem saiba o que realmente ele significa.

Todos os brasileiros e brasileiras têm a obrigação moral e cívica não só de conhecer a Constituição, mas também o dever de lutar com todas as suas forças físicas e psíquicas para cumpri-la e aperfeiçoá-la. Isso é ser democrático, isso é fazer política, isso é ser cidadão de verdade!

Os grandes problemas da Democracia brasileira, seus grandes inimigos, na verdade, estão ligados à efetivação dos direitos fundamentais atinentes à liberdade e, notadamente, à igualdade, o coração de toda Democracia. É certo que a igualdade não interessa a certas pessoas privilegiadas, que sempre irão se colocar contra a Democracia, muito embora jurando narrativas de que são democráticas. Seus atos é que vão denunciar a sua lábia. 

A Educação igualitária de qualidade é o meio mais eficiente que existe para se evoluir democraticamente. Não há outro caminho! E não é bom, muito menos democrático, que o Brasil continue tendo uma educação para ricos e outra para pobres. Esse deve ser começo da mudança. O ponto de chegada das pessoas pode até não ser o mesmo; mas o de partida sim!

A Democracia é o único regime político que parte e se funda no pressuposto de que todos são iguais, mesmo não o sendo – não há ninguém igual a ninguém. Mas também não há absolutamente nada que justifique, racionalmente, um ser humano comandar e oprimir o seu semelhante, e é isso o que ocorre se não houver leis que proíbam este tipo de tragédia. Porém, para que haja boas leis é preciso luta, e a luta pressupõe um cidadão consciente. A Democracia objetiva evitar o drama da dominação da pessoa sobre a pessoa, que ocorre de forma natural entre os seres humanos, se nada for feito para impedir a ação dos tiranos. A Democracia cria mecanismos artificiais (leis e instituições) para refrear o instinto de dominação que há no ser humano. Vale lembrar que foi esse mesmo instituto selvagem que um dia deu origem e sustentou a escravidão e a servidão que tanto mancharam a História da Humanidade.

Não basta aquela mera igualdade formal de dizer que todos são iguais perante a lei; é preciso que a igualdade material seja uma realidade, realidade essa geradora, inevitavelmente, de inúmeros conflitos na sociedade, os quais devem ser revolvidos através do uso intensivo da liberdade racional responsável e, mais precisamente, das leis e das instituições públicas e sociais, que são feitas pelo próprio povo para o seu próprio bem.

Viva a Democracia!

Viva a Constituição!

Viva o Brasil!

Viva o povo brasileiro!


sábado, 23 de setembro de 2023

O juiz pode estimular ou desestimular o litígio

Quais são as normas básicas do nosso sistema de reparação de danos, previstas no Código Civil, derivadas da culpa? São estas:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Assim, por exemplo, aquele motorista que está dirigindo de forma desatenta, ou em alta velocidade, desobedecendo as regras de trânsito e causa um acidente contra um outro motorista fica obrigado a reparar os danos sofridos pela vítima, consistentes no conserto do veículo e nos dias em que a vítima ficou sem poder trabalhar com carro.

Quais são, neste exemplo, os danos passíveis de reparação, segundo o Código Civil? São os danos emergentes e os lucros cessantes:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu (dano emergente), o que razoavelmente deixou de lucrar (lucro cessante).

O causador do acidente do exemplo deverá pagar não só pelo conserto do veículo da vítima (danos emergentes), mas também pelos dias em que ela ficou sem poder trabalhar com o carro (lucros cessantes).

Imagine essas duas situações.

Na primeira, aquele que causou o dano assumiu o seu erro e comprometeu-se a reparar todos os danos sofridos pela vítima, e efetivamente o fez. A questão foi resolvida amigavelmente.

Na segunda, que é a que mais acontece, aquele que causou o dano não assumiu o seu erro e recusou-se a reparar os danos. Neste caso, a vítima viu-se obrigada a lavrar um boletim de ocorrência, contratar um advogado e ingressar com um processo contra o causador do acidente e dos danos.

Ao final do processo judicial, se for declarado que o causador do acidente estava errado e que deve reparar os danos causados à vítima, já não bastará que ele pague apenas pelo conserto do veículo (dano emergente) e pelos dias em que a vítima ficou sem trabalhar (lucros cessantes), mas também precisará arcar com os custos que a vítima teve para contratar o advogado (dano emergente), para pagar as despesas do processo (dano emergente) e pelo dano moral decorrente do dissabor de ter que esperar até o final do processo (dano emergente), que muitas vezes pode demorar vários anos, para só então receber o que lhe era devido.

Assim, toda vez que a pessoa precisa acionar o Poder Judiciário para ser reparada de algum dano inicial, e obtém sucesso no processo judicial, precisa somar aos danos iniciais (danos emergentes e lucros cessantes) todos os outros danos, materiais e imateriais, que se fizeram necessários para garantir a reparação integral dos danos iniciais, sob pena de não ter o ressarcimento completo de todos os danos que sofrera.

E caso a vítima detenha provas suficientes de que o causador do acidente foi o culpado, precisa pedir ao juiz que lhe antecipe a sua vitória processual, deixando que o tempo do processo seja suportado pela parte contrária, pois não é justo que a vítima tenha que suportar os danos que lhe foram cometidos e ainda tenha que esperar pelo longo tempo que demora até o término do processo, para só então conseguir o que lhe é seu por direito.

Quando o juiz não antecipa a vitória processual da pessoa que tem razão e consegue provar isso logo no início do processo está aumentando a qualidade e a quantidade dos danos que lhe foram apresentados pela vítima, e emitindo o péssimo sinal para a sociedade de que não compensa fazer acordos amigáveis, e que o melhor mesmo é os transgressores das leis mandarem suas vítimas procurarem os seus “direitos”.

Na verdade, o sinal que o Poder Judiciário deve emitir é justamente o contrário: - cidadãos, resolvam suas questões de forma amigável, cada um reconhecendo o seu direit6o e o seu dever, pois, se eu tiver que intervir, buscarei conhecer a verdade dos fatos e aplicarei a lei de forma a reconhecer desde logo, sempre que possível, o direito a quem o tem, e impondo a quem não o tem todos os deveres que o desestimulem do litígio, inclusive a inversão da espera pelo tempo do processo, sempre que presentes os requisitos legais.

Em suma, o processo precisa atuar cada vez mais em favor de quem tem razão e pode provar isto desde o início, transferindo ao culpado todos os ônus decorrentes da movimentação da máquina judiciária.


quarta-feira, 6 de setembro de 2023

7 de setembro de 2023 - Dia da Independência do Brasil

 

Há quem pergunte se existe sentido prático em se comemorar a Independência do Brasil.

Como se falar em Independência num mundo globalizado, sem fronteiras, em que cada vez mais os países procuram se reunir em blocos, inicialmente com fins econômicos, mas com a possibilidade de estender a qualquer tipo de interesse?

O certo é que lá já se vão 201 anos da Independência do Brasil, de Portugal, um fato histórico marcante.

Afora o gozo do sempre bem-vindo feriado e a realização dos tradicionais desfiles cívico-militares em quase todas as cidades, a data já não consegue atrair e motivar os brasileiros, até mesmo em razão do nítido descompasso entre os legítimos interesses e direitos das pessoas e as trapalhadas das autoridades do Estado na condução dos assuntos públicos e na construção de uma sociedade verdadeiramente justa, livre e solidária, como garantido pela Constituição.

O dia 7 de setembro de 2023, no entanto, vem ganhando uma certa notoriedade negativa, e por certo ficará marcado, lamentavelmente, pela palermice de se tentar politizar – no sentido mais pejorativo que o termo possa ter – um fato histórico objetivo, a Independência do Brasil, que em si não comporta embates ideológicos, afinal, diz respeito a todos os brasileiros indistintamente.

A ideia de jerico é mais um deplorável capítulo da odiosa polarização partidária que se instalou no Brasil após a meteórica ascensão ao poder do “mito” Jair Messias Bolsonaro – perdedor nas últimas eleições presidenciais para o seu arquirrival Luiz Inácio da Silva –, que pode também perder também os direitos políticos de cidadania ativa, o que implicará na impossibilidade jurídica de postular futuras candidaturas a cargos eletivos.

Os asseclas do bolsonarismo imaginam ter se apropriado do sentimento de patriotismo que é comum a todos os brasileiros pelo só fato de serem brasileiros. Eles agarraram-se à Bandeira do Brasil e a fizeram símbolo da campanha partidária, e agora também querem intervir e atacar as livres manifestações que tradicionalmente ocorrem em cada 7 de setembro, o que se revela manifestamente contrário ao patriotismo que julgam ter.

A campanha deles, noticiada amplamente na mídia, é para que os brasileiros fiquem em casa neste feriado de 7 de setembro. Com isso, imaginam atingir a popularidade do atual governo, para depois saírem dizendo que as comemorações alusivas ao Dia da Independência foram um grande fiasco.

Se isso não for a confissão mais autêntica do mais profundo sentimento de inveja desses inimigos da Pátria, melhor seria riscar essa palavra do dicionário, pois ela não serve de nada.

Como não há nenhuma chance de se riscar uma palavra do dicionário, a patifaria ficará documentada na história, e esses idiotas ficaram reconhecidos por todos, a partir deste 7 de setembro, pelo “desgosto provocado pela felicidade ou prosperidade alheia” e pelo “desejo irrefreável de possuir ou gozar o que é de outrem”, que são os significados da palavra inveja.

Foi assim, movidos por esses perversos e obscuros sentimentos de maldade e destruição, que eles atacaram a democracia brasileira naquele fatídico 8 de janeiro de 2023, e é assim que eles agem na oposição irresponsável no Congresso Nacional, sendo contra tudo o que venha do atual governo, independentemente de ser ou não bom para o País e para as pessoas que aqui vivem.

O patriotismo deles é assim, só funciona na base do venha nós, vosso reino, nada! Não fazem Política, e sim politicagem. Sabotam o País pelo prazer da sua insana patriotariedade.

Apesar deles, resta dizer: viva a Independência do Brasil! Viva o Brasil! Viva os brasileiros! E se você achar que ir às ruas prestigiar os desfiles cívico-militares nada tem a ver com a polarização política e sim com o enaltecimento puro e simples de um dos fatos mais importantes da História do Brasil, como sempre foi feito, vá, sem medo de ser feliz!


domingo, 11 de junho de 2023

60 dias de férias por ano

 

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional, de 1979, feita pelo Congresso Nacional, estabelece que os juízes brasileiros gozarão de férias anuais de 60 dias. Os membros dos Ministérios Públicos também gozam da mesma regalia.

Como todo mundo já sabe muito bem, para os trabalhadores comuns, a Consolidação das Leis do Trabalho diz que após cada período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias de no máximo 30 dias corridos, que poderão ser reduzidos até o mínimo de 12 dias corridos, conforme o número de faltas ao serviço. Para os servidores públicos em geral também vale essa regra de apenas 30 dias de férias anuais.

É bom deixar claro desde logo que o Brasil adotou, através da Constituição em vigor, a lei mais importante do País, a República como forma de governo, o que significa dizer que o Estado, tido como a própria sociedade organizada, se constitui de modo a atender o interesse geral dos cidadãos, sem nenhum tipo de preferência ou preconceito.

Assim já é possível notar, claramente, que a existência de 60 dias de férias para uma dada classe de cidadãos trabalhadores brasileiros constitui um privilégio manifestamente injustificável, inaceitável e incompatível com uma sociedade republicana e democrática, onde todos são chamados a contribuir de forma proporcionalmente igual para a sua existência, manutenção e desenvolvimento social e econômico.

Para deixar ainda mais evidenciada a injustiça e imoralidade causadas pela existência dessa mordomia que os legisladores conferiram, em dado momento histórico, aos magistrados brasileiros, convém expor de modo um pouco mais detalhado e fundamentado as discrepâncias que ela gera concretamente.

Primeiro, o Código de Processo Civil nacional dispõe que, além dos declarados em lei, são feriados, para efeito forense, os sábados, os domingos e os dias em que não haja expediente forense.

Como cada ano possui cerca de 52,2 sábados, e 52,2 domingos, e ao menos 12 feriados nacionais, os magistrados acabam trabalhando, se não forem agraciados com alguma licença, apenas cerca de 188,6 dias, dos 365 existentes no ano, o que resulta em cerca de 176,4 dias de ganhos sem precisar trabalhar um minuto sequer por ano, sendo certo que muitos outros trabalhadores estão tendo que trabalhar duro para pagar essa mordomia.

Segundo, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, o Poder Judiciário brasileiro leva em média três anos para concluir um processo judicial, o que transmite a sensação para a população em geral de que esse Poder é lento, caro e soberbo, como mostra qualquer pesquisa rápida, feita em sites de buscas na Internet.

Quando se junta essa informação referente à lentidão crônica do Poder Judiciário às famigeradas férias de 60 dias anuais, percebe-se que elas contribuem diretamente para o agravamento do atraso na entrega da prestação jurisdicional tão almejada pela população.

Com efeito, no exato instante em que povo brasileiro se der conta desse privilégio legal absurdo, através de seus representantes eleitos, e fizer a adequação das férias dos magistrados às férias de todo trabalhador e cidadão comum, ou seja, 30 dias anuais, ocorrerá o aumento imediato do número de magistrados em 1/12 avos, o que contribuirá não só para reduzir os prazos de duração nos processos judiciais, mas também para diminuir os custos suportados pela população para pagar por esse 30 diasde férias sobressalentes, mais o terço constitucional que é pago toda as vezes em que o magistrado ingressa em férias.

Terceiro, e por falar em custos suportados pela já sacrificada população brasileira, fazendo-se uma conta por baixo, pela multiplicação dos cerca de 18 mil juízes da ativa, pelo salário médio de R$ 37 mil mensais, obtém-se o valor de cerca de R$ 666 milhões que são tirados por mês dos cofres públicos. Some-se a isso o valor do terço constitucional e obtém-se o valor astronômico de cerca de R$ 887.778.000 (oitocentos e oitenta e seta milhões, setecentos e setenta e oito mil reais) que são pagos mensalmente para se deixar os juízes brasileiros em casa durante esses 30 dias a mais por ano.

Alguém poderia alegar, em favor dos membros da magistratura, que o trabalho denvolvido por eles é cansativo, e que eles realmente precisam desses 30 dias a mais de férias anuais para recuperar as energias despendidas com o trabalho.

Mas será que no Brasil não há trabalhos mais árduos, extenuantes e cansativos do que o desenvolvido pelos juízes brasileiros? Basta olhar um pouco à volta e ver.

Além disso, não custa lembrar que, até não muito tempo atrás, os juízes e desembargadores eram responsáveis diretamente pela coordenação das atividades nos cartórios das unidades judicantes e também por conduzir o processo como um todo, desde o recebimento da petição inicial até o julgamento do último recurso cabível, o que não mais ocorre hoje em dia.

O cartório foi entregue aos cuidados de um servidor, nomeado de escrivão ou chefe de secretaria, pago com uma remuneração diferenciada, em razão da atividade de chefia, e cada juiz  iniciante passou a contar com o apoio direto de pelo menos um servidor assessor, devidamente qualificado e remunerado, responsável por redigir as minutas de despachos, sentenças e acórdãos, ficando os magistrados no máximo com as funções de conferência e/ou assinatura, além das demais atribuições. No âmbito dos Tribunais Superiores, não é incomum o número de assessores para cada magistrado a atingir a marca de 30. Além disso, servidores já estão realizando audiências judiciais, outro ato processual que até pouco tempo era privativo da magistratura.

Isso quer dizer, em outras palavras mais simples e diretas, que os magistrados já não possuem a exclusividade das atribuições judicantes que detinham e, via de consequência, não mais fazem jus ao privilégio dos 60 dias de férias remuneradas que lhes foi concedido pelo Poder Legislativo na distante década de 1970. 

domingo, 30 de abril de 2023

Dia 1º de Maio de 2023 - Dia do Trabalho

 

Hoje é feriado nacional dedicado ao Dia do Trabalho em diversos países. Um dia de merecido repouso para o corpo, mas de muita reflexão crítica para os trabalhadores que sabem que o movimento operário não pode cochilar, senão a classe dominante lhes retira os direitos que foram duramente conquistados, como ocorreu na última Reforma Trabalhista.

Vale lembrar que esta data foi escolhida em homenagem à luta dos trabalhadores dos Estados Unidos, que, num sábado, 1º de maio de 1886, foram às ruas protestar e, não sem o derramamento de sangue e a perda de vidas, conseguiram reduzir a jornada de trabalho de 16 para 8 horas diárias.

A palavra de ordem para os trabalhadores neste 1º de Maio de 2023 continua sendo conscientização, o ponto de partida que justifica as nossas ações. Somente sabendo de onde viemos, saberemos onde estamos e para onde devemos orientar e concentrar nossos esforços coletivos de modo mais oportuno e eficiente.

Cumpre recordar que a história dos trabalhadores brasileiros começa em 1534, no então Brasil-Colônia, quando este foi divido administrativamente pela Coroa Portuguesa em 15 pedaços de terras, as chamadas Capitanias Hereditárias, 14 das quais que foram entregues ao domínio de apenas 12 pessoas, para a exploração econômica. Das Capitanias surgiram as Sesmarias, os latifúndios, as grandes fazendas, a escravidão, o racismo, o massacre dos povos indígenas, a concentração de bens e rendas, a desigualdade social, enfim, as grandes injustiças sociais que nos acompanham até hoje.

Como uma injustiça não tratada sempre puxa outras, não tardou para que os males iniciados no campo se estendessem também para a indústria e o comércio urbanos, onde vige, de modo absolutamente escancarado, institucionalizado e legalizado, o furto (apropriação) de grande parte do valor do trabalho produzido pelos trabalhadores, como se fosse essa pouca-vergonha fosse normal. Aliás, quanto mais rico e poderoso puder ficar o dono de uma empresa, mediante a exploração da mão de obra assalariada, mais ele é tido socialmente como uma pessoa bem-sucedida pelos ignorantes.

É triste constatar que, passados quase 135 anos da abolição da escravatura, infelizmente seja comum a polícia e a justiça terem que recorrer ao artigo 149 do Código Penal brasileiro para punir patrões que insistem em reduzir trabalhadores à condição análoga à de escravo, mediante a submissão a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, a sujeição a condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção do trabalhador.

Já passou da hora de fazermos as devidas adequações sociais às normas fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária que pactuamos solenemente em nossa Lei Maior, a Constituição-Cidadã de 1988. É urgente a necessidade de se conferir a devida função social às empresas, a fim de que passem a atender de modo equitativo os interesses e direitos de todos os que nelas trabalham. É óbvio que não podemos continuar aceitando uma participação nos lucros e resultados (PLC) meramente protocolar e fictícia. É preciso escancarar os balanços patrimoniais e mostrar objetiva e matematicamente que os trabalhadores estão sendo literalmente surrupiados.

Lamentavelmente, têm muitos desavisados que ainda perguntam por que é que devemos fazer reformas agrária e urbana, e por que é que existem movimentos sociais, como o MST, o MTST, o movimento negro, o movimento operário e etc; por que é que precisamos de ações afirmativas, cotas raciais e de pobreza, bolsa-família, lei de greve, direitos sociais, CLT, OIT, sindicatos, federações, confederações, justiça do trabalho, partidos políticos que congregam trabalhadores e etc. Todos esses mecanismos estatais e sociais são absolutamente legítimos e existem para tentar combater e reduzir as injustiças e desigualdades sociais que se instalaram em nosso meio desde o Período Colonial.

Em suma, está mais do que claro que não basta os trabalhadores dedicarem-se ao labor com a força dos cavalos, se não houver, para ontem, a consciência de que há muitas injustiças a serem reparadas nas relações sociais de trabalho. É inegável que herdamos de nossos antepassados grandes dívidas sociais e econômicas, e que as presentes e futuras gerações devem saldá-las completamente, mediante a aplicação das normas políticas e jurídicas já existentes, nada obstante os protestos dos beneficiados. Para tanto, o primeiro passo consiste em constatar e, a seguir, lutar bravamente para derrubar as vendas que cobrem os nossos olhos, e que nos têm sido colocadas diuturnamente, de forma sutil e sorrateira pela propaganda maciça e muitas vezes subliminar, custeada pela ideologia que legitima o poder econômico e político da classe dominante, cujo único objetivo é aumentar a alienação e a passividade das classes exploradas.

segunda-feira, 13 de março de 2023

15 de Março - Dia do Consumidor

                   O dia 15 de março se tornou marcante para os consumidores a partir do ano de 1962, quando o então presidente dos Estados Unidos da América, John Kennedy, teve a feliz iniciativa de enviar ao Poder Legislativo daquela grande Nação democrática uma mensagem especial sobre a proteção dos consumidores. Nela, constaram quatro direitos básicos, quais sejam: i) direito à segurança (contra a comercialização de produtos perigosos à vida e à saúde); ii) direito à informação (sobre produtos e serviços); iii) direito de escolha (a partir da concorrência e competitividade entre os fornecedores); e iv) direito de ser ouvido (na elaboração das políticas públicas).

Em 1985, a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) adotou o dia 15 de março como o Dia Mundial do Consumidor, conferindo legitimidade e reconhecimento internacional àquele importante o gesto promovido pelo presidente norte-americano.

A lei mais importante do Brasil, a Constituição de 1988, estabeleceu, entre os direitos e garantias fundamentais do povo brasileiro, que o Estado deveria promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Em 1990, com a aprovação da Lei Federal 8.078, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC), o Congresso Nacional cumpriu a obrigação constitucional, criando, assim, o principal instrumento normativo de proteção e defesa do consumidor. O CDC é constituído de princípios e normas de observância obrigatória e da Política Nacional das Relações de Consumo, a qual tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo.

No dia 9 de julho de 2002, o legislador brasileiro, por meio da Lei Federal 10.504, instituiu o 15 de março como o Dia Nacional do Consumidor, e estabeleceu que, nessa data, os órgãos federais, estaduais e municipais de defesa do consumidor deverão promover festividades, debates, palestras e outros eventos, com vistas a difundir os direitos do consumidor.

São essas as razões oficiais que justificam a celebração do Dia do Consumidor no Brasil e no mundo.

É preciso sempre lembrar-se que a relação social que se estabelece entre o fornecedor de produtos e serviços e o consumidor é marcada quase sempre por uma acentuada desigualdade fática, técnica e econômica, tendo em vista a posição de vantagem que o fornecedor exerce em relação a cada um desses aspectos, na sua relação com o consumidor.

Embora o Código de Defesa do Consumidor tenha promovido um certo nivelamento jurídico entre consumidores e fornecedores em termos contratuais e de responsabilização civil e penal, permanece um grande abismo sobre o controle da produção de bens e serviços.

Devido a uma série de motivos que dariam para escrever vários livros, infelizmente a produção de bens e serviços não depende só das necessidades de consumo das pessoas, mas vai muito além, tendo suas origens nos progressos advindos com a Revolução Industrial, a partir da qual a capacidade de produção da indústria superou em muito a capacidade de consumo humano.

Ao invés de adequar, racionalmente, a produção à capacidade e, principalmente, à necessidade real de consumo das pessoas, fornecedores gananciosos, aproveitando-se de sociedades desorganizadas e governos geridos por pessoas mal intencionadas, usam o poder da propaganda para criar e potencializar o desejo de consumir de modo supérfluo e excessivo, dando origem ao mal do consumismo irracional que atormenta a nossa era. Isso sem falar nas deficiências do controle sobre o lixo produzido pela produção e o consumo, sendo certo que nem tudo por ser reciclado.

A excessiva produção de bens e serviços e o consumismo fazem parte de uma equação que está se tornando muito perigosa para a própria perpetuação da vida neste Planeta. Sim, atente-se! Enquanto os nossos desejos e vontades, potencializados artificialmente pelas mais refinadas técnicas de publicidade, são manifestamente infinitos, a quantidade dos recursos naturais produzidos pela Terra é nitidamente finita e, em muitos casos, como se sabe, não renovável, como é o caso do petróleo, dos minérios e do gás natural.

Como se percebe, essa é uma conta que não fecha, e em algum momento ela irá cobrar o seu preço, sendo mais do que necessária e urgente a conscientização humana, não só no sentido de criar e aprimorar políticas públicas mais arrojadas no que concernem à produção e ao consumo, mas também a partir de uma tomada de consciência individual, com vistas a se perseguir e obter o equilíbrio entre as ações de desenvolvimento econômico, a sadia qualidade de vida e a necessidade de preservação do meio ambiente.

É urgente a necessidade de que cada pessoa comece a pensar e, principalmente, pôr em prática ações que favoreçam o consumo sustentável, entendido como aquele que leva em consideração os direitos das gerações futuras de também poderem ter acesso aos mesmos recursos naturais de que dispomos hoje.

Vale pontuar que, para que o consumo seja considerado sustentável, é preciso que o consumidor adote padrões de consumo focados sobretudo na necessidade, sabendo distinguir perfeitamente os desejos necessários dos supérfluos, não se deixando levar pelos apelos publicitários de consumo inconsciente e inconsequente.

Também não se pode esquecer do consumo ético, consciente ou responsável, que ocorre quando o indivíduo passa a conceber o ato do consumo como fio condutor de ações mais justas para com a sociedade.

O ato de consumo é uma atitude importante demais para se deixar a cargo somente dos governos e das empresas, sendo necessário que cada cidadão, individualmente, assuma urgentemente sua responsabilidade pessoal nesta gestão primordial para toda humanidade.

domingo, 31 de julho de 2022

Mínimo existencial

 

Todo ser humano nasceu dotado de interesses[1] e todas as suas ações possuem uma finalidade. Ao buscar atingir os seus interesses, ocorre de surgir uma concorrência frente aos interesses de outros seres humanos, que pode ser resolvida amigavelmente ou originar um conflito de interesses. Para que não prevalecesse sempre os interesses dos mais fortes, na resolução desses conflitos, e com a finalidade resolver outros interesses coletivos, as sociedades antigas e modernas criaram um ente fictício, denominado Estado, que é regido por leis gerais e abstratas feitas pelos próprios membros da sociedade[2], ou por seus representantes devidamente eleitos[3].

A Constituição de 1988 é a lei mais importante do Brasil, seja por ela ter recriado o Estado[4] Democrático[5] de Direito[6] atual[7], em substituição ao que havia anteriormente[8], seja porque todos as pessoas[9] e todas as outras leis são obrigadas a respeitá-la, sob pena do uso da força, se necessário for.

Um dos temas mais importantes que a Constituição de 1988 teve que se preocupar foi com o modo de produção que a sociedade brasileira iria eleger. Vale lembrar que o modo de produção está relacionado à maneira como a sociedade produz seus bens e serviços, como os utiliza e como os distribui. Desde que ruiu no mundo o modo de produção feudalista, disputam as ideologias capitalistas e socialistas, ou um meio termo entre elas.

O modo de produção capitalista baseia-se na propriedade privada dos meios de produção[10] pela burguesia, que substituiu a propriedade feudal, e no trabalho assalariado, que substituiu o trabalho servil do feudalismo. O capitalismo é movido por lucros que resultam dos valores conquistados através do trabalho exercidos por todos os membros da sociedade. Já o modo de produção socialista baseia-se na propriedade social dos meios de produção, que passam a ser públicos ou coletivos, não existindo empresas privadas. Nele não há separação entre proprietário do capital (patrão) e proprietários da força do trabalho (empregados).

A Constituição de 1988 fez a opção pelo modo de produção capitalista mitigado, uma vez que adotou a livre iniciativa na ordem econômica, mas a vinculou à valorização do trabalho humano e à existência digna de todos, conforme os ditames da justiça social, conferindo aos membros da sociedade brasileira uma gama substancial de direitos fundamentais individuais e sociais. No fundo, no fundo, a Constituição pretendeu estabelecer, por meio de suas normas e demais leis, uma compatibilização entre os interesses econômicos dos capitalistas, os valores sociais resultantes da força dos trabalhadores, ambos devendo ter por finalidade última a dignidade humana de todos.

Segundo a Constituição, a livre iniciativa econômica tem que levar em conta os valores individuais e sociais do trabalho, a soberania nacional, a propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, a fim de assegurar a todos os brasileiros e brasileiras uma existência digna.

A lei maior brasileira não trouxe um conceito de dignidade humana, devendo o seu conteúdo ser extraído do seu texto e das demais normas jurídicas que regem a sociedade. Uma coisa, porém, é certa: sendo a dignidade humana a norma matriz de todos os direitos fundamentais, sua violação é uma das mais graves e intoleráveis no Estado Democrático de Direito, e que deve ser combatida por todos, principalmente, por aqueles que têm a obrigação e a força para cumprir e fazer cumprir a Constituição.

A Constituição conferiu uma série de direitos e deveres individuais e coletivos fundamentais aos brasileiros, que podem ser tidos como um verdadeiro piso vital mínimo de existência humana. Entre os direitos fundamentais sociais está o salário-mínimo, que representa o valor mais baixo de salário que os empregadores podem legalmente pagar aos seus empregados pelo tempo e esforço gastos na produção de bens e serviços no âmbito nacional. Sobre o salário-mínimo, a Constituição diz que será fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo. É sabido que essa norma constitucional não é respeitada, o que retrata uma indiscutível falta de compromisso das autoridades[11] para com a Constituição e as leis, assim como também uma irrefutável indiferença popular, aqui denunciada até mesmo como um gesto de legítima esperança[12].

Não se tem notícia de que o Poder Judiciário brasileiro tenha conhecido[13] ação judicial em que algum trabalhador tenha feito pedido contra o patrão, a fim de receber um salário-mínimo que cubra efetivamente o pagamento de todas aquelas necessidades vitais básicas previstas constitucionalmente. Sabe-se, porém, do ajuizamento de ações coletivas, pelas pessoas legitimadas, com o objetivo de obrigar o Poder Executivo a implementar políticas públicas, como a construção de hospitais, presídios e creches etc. Nessas ações, tem-se visto o Pode Executivo, na qualidade de réu, usar sempre como defesa a tese da reserva do possível, ou seja, das limitações do orçamento público, ao que o Poder Judiciário tem respondido, de forma muito excepcional, com a afirmação da tese da garantia constitucional do mínimo existencial.

Esse assunto – mínimo existencial – veio à tona mais recentemente por meio da Lei nº 14.181, aprovada pelo Congresso Nacional, em 1º de julho de 2021, versando sobre o superendividamento, entendido como a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.

Essa regulamentação veio com a edição, pelo presidente da República, do Decreto nº 11.150, de 26 de julho de 2022, que considera mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a 25% do salário-mínimo vigente na data de publicação do Decreto, o que corresponde atualmente ao valor de R$ 303,00, tendo em vista que a Lei nº 14.358, de 1º de junho de 2022, fixou o valor do salário-mínimo em R$ 1.212,00.

Uma vez que a Constituição é a lei maior existente no País, todas as demais normas deverão estar de acordo com ela, sob pena de serem consideradas inconstitucionais e, portanto, invalidadas. A Constituição já havia estabelecido que o mínimo existencial para os brasileiros era o valor de um salário-mínimo, de sorte que o Decreto presidencial, sob o pretexto de regulamentar a Lei do Superendividamento, não poderia ter ofendido a Constituição com a redução do mínimo existencial para apenas 25% do valor do salário-mínimo.

Não se diga que uma coisa é o valor do salário-mínimo e outra coisa é o valor do mínimo existencial, porque ambos dizem respeito ao valor, estabelecido em moeda corrente, que uma pessoa deve dispor para ser considerada minimamente digna, não importa se na condição de trabalhador ou consumidor, porquanto ambos são o mesmo ser humano.

Vale frisar que o valor do salário-mínimo já não cobre o pagamento das despesas capazes de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador/consumidor e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Reduzir o piso vital mínimo para o valor de apenas R$ 303,00 é o mesmo que se legalizar a miséria humana entre os brasileiros, ao arrepio da Constituição que um dia foi elaborada e aprovada por todos os patrícios.

Todo trabalhador é consumidor, não sendo possível se fazer a separação entre a condição de vida de um e de outro. Se um trabalhador não pode sobreviver com menos de um salário-mínimo, tampouco um consumidor poderá sair da condição de endividado quanto lhe restar a miséria de um quarto do já sofrível salário-mínimo.

Admitir-se que haja uma redução tão drástica no fator básico de dignidade humana dos brasileiros, ainda mais de ordem normativa geral, gera uma situação de instabilidade muito perigosa, do ponto de vista econômico, social e jurídico, na medida que se aumenta sobremaneira as possibilidades de edições legislativas futuras, com a finalidade de tornar a miséria uma condição humana aceitável num País rico como o Brasil.

Em suma, a prevalecer, realmente, o entendimento do presidente da República, reproduzido literalmente e sem meias palavras no Decreto nº 11.150, estar-se-á instituindo, normativamente, a mais absoluta miséria no meio da sociedade brasileira, em manifesta violação à Constituição e à vontade soberana do povo brasileiro, nela representada.



[1] Necessários e supérfluos.

[2] Democracia direta.

[3] Democracia indireta.

[4] Entidade jurídica movimentada por pessoas pagas para fazer prevalecer o império da lei sobre todos.

[5] Todo o poder emana do povo.

[6] Regido e subordinado à lei.

[7] O Brasil já teve outras sete Constituições.

[8] Constituição de 1969.

[9] Estado, sociedade, pessoa físicas jurídicas e entes despersonalizados.

[10] Indústrias, terras, capital e etc.

[11] Pessoas dotadas de direito ou poder de ordenar, de decidir, de atuar, de se fazer obedecer.

[12] Um dia alguém também denunciou a indignidade causada pela escravidão, e acreditou nessa verdade, apesar de achar que poderia estar remando contra a maré, mas o fato é que a escravidão um dia veio a cair e hoje é considerada inclusive crime.

[13] Apreciado e julgado.

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Tudo posso, mas nem tudo me convém[1]

A imprensa noticiou que no dia 5 de dezembro de 2020, a Rússia tinha se tornado o primeiro país do mundo a iniciar a vacinação de seu povo contra a COVID-19, com a Sputnik V. No 8 de dezembro de 2020, foi a vez do Reino Unido, com a vacina desenvolvida em parceria entre a farmacêutica americana Pfizer e a empresa de biotecnologia alemã BioNTech. Pouco tempo depois, a aprovação também ocorreu nos Estados Unidos, no Canadá, na União Europeia e assim por diante.


No Brasil, o início da vacinação efetivamente ocorreu no dia 17 de janeiro de 2021, com as 6 milhões de doses da vacina CoronaVac, do Instituto Butantan, as únicas que o Brasil tem até agora, apesar de uma população de mais de 207 milhões e serem necessárias duas dozes para a imunização completa.


O Ministério da Saúde fez a divisão proporcional: a região Norte está recebendo 708 mil doses; o Nordeste, quase 1,5 milhão de doses; o Sudeste, pouco mais de 2,5 milhões; o Sul, 750 mil; e o Centro-Oeste, 574 mil doses.


Nessa primeira fase, serão vacinados os brasileiros e brasileiras dos chamados grupos prioritários, como os profissionais de saúde, idosos com 75 anos ou mais, idosos com mais de 60 anos que moram em asilos, indígenas que vivem em aldeias e comunidades ribeirinhas. Repetido que todos deverão tomar duas doses da vacina.


O problema todo é que, apenas para esses grupos prioritários, serão necessárias quase 30 milhões de doses e, como dito, o Brasil só dispõe de 6 milhões, devido à falta de capacidade técnica e logística da indústria no momento atual.


Mas o que não faltam são pessoas insensíveis, egoístas e desumanas, que acham que, por terem dinheiro, podem fazer o que quiserem.


Nesse sentido, já se notam as movimentações de grupos, instituições e pessoas, públicas e privadas, tentando ativar o comércio privado da vacina para os consumidores que se disponham a comprar, antes mesmo que os fornecedores atendam aos grupos prioritários já estabelecidos pelo Estado, em nome de toda a sociedade.


Por comprar em grande quantidade e para atender o interesse público, normalmente, o Poder Público consegue pagar preços bem mais baratos do que as vacinas comercializadas livremente no mercado. Por exemplo, se uma dose da vacina contra a covid-19 custar R$ 50 para o Estado, no comércio, a depender da lei da oferta e da procura e voracidade de ganhos dos fabricantes e fornecedores, poderá custar até 10 vezes mais. Então, até essa diferença substancial no lucro serve de impulso ao comércio inoportuno da vacina. O poder de decisão, nesse caso, transfere-se para os consumidores.


É só o consumidor pensar e analisar com bom senso: se uma pessoa jovem e saudável adquire e toma a vacina antes que os grupos prioritários, os componentes destes sairão prejudicados. Ao prejudicar um profissional de saúde, da segurança e da limpeza pública, por exemplo, no fundo no fundo quem se prejudicará é a própria sociedade e o cidadão, que poderão não contar com os serviços essenciais desenvolvidos pelos referidos profissionais.


Além dos consumidores, o próprio Estado, através dos serviços de vigilância sanitária e fiscalização, também tem uma importante função para tentar coibir o comércio privado da vacina, até que todas as pessoas dos grupos prioritários tenham sido vacinados.


Não há nenhuma dúvida de que os mercenários serão capazes de invocar o princípio constitucional da livre iniciativa privada (capitalismo) e outros que regem a ordem econômica, para tentarem obter na Justiça o “direito” de comercializar a vacina. Em contraposição, e com um peso e uma densidade jurídica bem maiores, estão os princípios constitucionais da dignidade humana, da supremacia do interesse público sobre o privado e da função social da empresa e da propriedade, que podem até justificar o direito administrativo de requisição do Poder Público.

Não resta alternativa, senão alertar e apelar para a razão, o bom senso e, se realmente for necessário, a atuação firme, corajosa e tempestiva do Poder Judiciário, o nosso último anteparo contra as injustiças.


Vale lembrar que na Revolução Francesa de 1789 os intelectuais mais ilustres apontaram os passos que a Humanidade deveria dar rumo ao seu progresso: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.


A conduta que se espera dos brasileiros nesse momento é de fraternidade ou solidariedade, jamais, de egoísmo! É hora de se aplicar a sabedoria bíblica: tudo posso, mas nem tudo me convém.


Só resta observar o comportamento que os nossos compatriotas e autoridades irão adotar em relação ao assunto.


Francisco Demontiê Gonçalves Macedo é graduado e pós-graduado em Direito, graduando em Gestão Pública, pós-graduando em Política e Sociedade e Servidor Público Federal. 

[1] Escrito em homenagem a todos os homens e mulheres que têm o discernimento espiritual e a coragem para pensar, expressar-se e conduzir-se com amor, mesmo sendo livres para serem maus.


35 anos da Constituição de 1988

Hoje faz 35 anos que o povo brasileiro, através de seus representantes eleitos, promulgou a Constituição de 1988, o símbolo maior do Direito...